Uma brevíssima nota sobre a culpa

Por que sentimos culpa? Um primeiro motivo é porque, num determinado curso de ação, não fomos capazes de gerar um desfecho esperado. Sentimos culpa, nesse caso, porque imaginávamos que pudéssemos ter agido diferentemente. Um segundo motivo é porque uma determinada coisa aconteceu devido à nossa responsabilidade, ou então, inversamente, à nossa omissão (o que, na prática, dá no mesmo).

Em ambos os casos, a culpa está relacionada ao ‘eu’, mais precisamente, a certa onipotência desse eu. Pois a culpa surge do sentimento de que ou o eu deveria ter agido de um modo diferente, ou simplesmente não ter agido, isto é, não ter feito o que fez.

Muitas vezes, o que mais deseja o culpado é voltar atrás. Ele deseja, em sua imaginação, ser capaz de reverter a passagem do tempo. Ele deseja voltar no tempo nos instantes que precedem o acontecimento pelo qual se sente responsável. Não aceita, no fundo, que o acontecimento seja irreversível. Aliás, é precisamente essa irreversibilidade que paralisa e, por assim dizer, congela a alma culpada. E, da culpa, nasce o desejo de reparação ou de expiação.

Mas o que flagela o culpado é a singularidade do fato causador. Tal fato, mesmo que fosse reparado, não seria apagado. Existe uma radicalidade ‘realista’ na culpa, quando, é claro, ela derive de uma ação feita ou de uma omissão (neste caso, trata-se de ação da mesma forma, embora passiva, pois algo, efetivamente, acontece, mesmo que – ou graças – às expensas do sujeito). Não é possível reverter, não é possível colocar um fato Y no lugar de um fato X. Não vai ser da mesma forma, jamais.

O culpado recebe uma espécie de ‘estigma’. A marca do que fez sempre continuará em suas mãos, mesmo que cicatrize.

Acredito que um dos mais poderosos, senão o único, remédio para a culpa é o esquecimento, embora ele não ocorra da mesma forma para quem é o culpado e para quem foi objeto da ação desse culpado. Mas, sem o esquecimento, nem um nem o outro conseguirão seguir adiante.