Fragmentos dispersos, 7

Travas mentais. Tive um insight em que penso ter resolvido a questão de que tratava no post anterior, sobre o impacto de um dia de trabalho. Sei que isso não é nenhuma originalidade (veja o conceito de “compartimentalização” por aí), mas pouco importa, desde que funcione. E, até aqui, tem funcionado. É algo bem simples: basta colocar uma espécie de trava na mente. Um tipo de comando em que você se auto-impede de trilhar alguns caminhos de pensamento. Por exemplo: ao chegar em casa, basta colocar uma trava no sentido de impedir o pensamento de ficar remoendo o dia, reensaiando formas de agir diferente nas situações a, b ou c. O dia passou, o dia acabou, ele não existe mais. Todas as impressões desse dia passam a ser fragmentos sem sentido de coisas já vividas. Não podem ser revividos. Não podem ser reproduzidos. Não tinham, para começo de conversa, nenhuma finalidade ou objetivo ou propósito de seguir determinado curso. Foram coisas aleatórias. Umas, agradáveis; outras, nem tanto. É como tomar uma chuva. Você chega em casa e logo troca de roupa. Não fica sentado no sofá com as roupas molhadas pensando que deveria ter levado um guarda-chuva. Você simplesmente chega em casa, tira a roupa, o sapato etc. molhados, toma uma ducha quente e toca a vida. Você nem pensa mais que tomou uma chuva no caminho da casa. Por que não poderia ser a mesma coisa para as atividades e os (maus) encontros durante um dia?

Peak performers. Ouvi um gestor de um grande fundo de investimento falar que ele estava profundamente interessado em “casos exepcionais”. Deu o exemplo de uma cantora norte-americana que fez um sucesso estrondoso com seus shows em 2023. Tal gestor diz ter levado a filha para o show dessa cantora, meio que dando a entender que, como pai, gostaria que a filha aprendesse “com a melhor”. É interessante. Um acontecimento que nunca me esqueço, duas décadas atrás, é quando tive minha primeira experiência como “terapeuta”. Foi durante o estágio do quinto ano da faculdade de psicologia. A paciente tinha uma questão com mulheres em revistas de moda. Dizia achar aquelas mulheres verdadeiros modelos, e que se ressentia profundamente por não ter o rosto, o corpo, o talento daquelas mulheres. Isso de algum modo me inquieta até hoje, essa secular tendência de as pessoas olharem apenas para os top performers, para os extremos de sucesso em cada campo artístico, profissional, pessoal. O tal gestor de fundos de investimento quer que sua filha só olhe para cima, só olhe e só intencione o melhor. Não, não, o melhor não. O excepcional. Todo o resto é só isso: resto e mediocridade. Não haveria nada a se aprender com aquela zona, em um gráfico de distribuição normal, que fica entre os extremos. Quer dizer, nada de bom com os 68,2% do meio (figura; [fonte]). As exigências estão ficando mais rígidas, e agora estaríamos apenas interessados nos 0.1%. Nos anos 1990 alguns psicólogos e sociólogos franceses chamavam o fenômeno de culto da performance ou da excelência. De lá para cá, o fenômeno só tem se intensificado. Não é interessante? Quanto mais o mundo caminha para números surreais (atualmente, mais de 7 bilhões de humanos vivem, e bilhões mal ganham o suficiente para ficarem vivos), mais vamos puxando para o 00000000000.alguma coisa do lado direito da figura abaixo?