Fragmentos dispersos, 6

Após um bom tempo de pausa (quase havia esquecido que tinha este espaço), vou tentar retomar algumas anotações. Como sempre disse aqui, praticamente escrevo para mim mesmo. Gosto de voltar a algumas anotações de tempos em tempos, na curiosa ociosidade de tentar ver se ainda penso certas coisas.

A coisa mais assustadora sobre o universo. O NYT fez, por estes dias, uma série de breves áudios por ocasião do feriado de Halloween. Em uma delas, o autor escolheu o que para ele seria a coisa mais assustadora do universo. Outros escolheram diferentes coisas – o poema, o filme, o livro mais assustadores. E eis o que realmente é assustador sobre o universo, muito mais do que um buraco negro devorador até de luz, ou um meteoro acertando a Terra: o fato de que todo o Universo poderia desaparecer completamente, e sem nenhum aviso prévio. Isso poderia acontecer a daqui alguns bilhões de anos, ou neste exato instante. Tudo o que já existiu, tudo o que poderia existir, isto é, o passado, o futuro, até mesmo as leis da Física: tudo simplesmente esvaneceria sem deixar o menor traço. Todos os grandes pensadores da humanidade, toda a história das civilizações, todos os livros escritos, as artes, os amores, as dores, as memórias, deuses, etc. Seria como se nunca tivéssemos existido. Nada do que você fez, ou do que você deixou de fazer, nada disso realmente importaria absolutamente. A razão de tudo isso é a existência de uma partícula sub-atômica chamada Higgs’ boson, o qual é uma manifestação de uma energia chamada de Higgs’s field. Esta energia permeia todo o espaço-tempo, imbuindo todas as outras partículas com massa. Sem ele, nenhuma das outras partículas teria qualquer massa. O universo não teria átomos ou estrelas. Esse campo, ou field, é instável. Sem aviso, ele pode mudar de forma. Como água virando gelo. Essa mudança alteraria toda a realidade que conhecemos, dissolvendo todos os átomos e, por consequência, tudo o que conhecemos e experimentamos. Sem átomos não haveria DNA…não haveria pessoas. E tudo se dissolveria na velocidade da luz. Você não sentiria nada. E seria o fim de tudo. O autor lembra Shakespeare: Somos feitos da mesma coisa que os sonhos são feitos, e nossa vidinha é cercada pelo sono.

Ainda sobre o universo. Em uma outra reportagem recente do NYT, a autora questiona sobre o que aconteceria com um corpo humano no espaço. Esquecemos o quão acolhedora é a Terra, mesmo com todos os riscos naturais que presenciamos de tempos em tempos. Quando comparada ao Universo, a Terra é uma estufa inacreditável, um sistema absolutamente fantástico, tão perfeito no nível macro como no nível microscópico. No espaço, entre outras coisas, não teríamos duas coisas fundamentais: gravidade e proteção contra radiação. É óbvio que não há oxigênio também, de modo que morreríamos asfixiados em questão de segundos, muito antes de a ausência de gravidade ou excesso de radiação nos incomodar. A ausência de gravidade talvez seja o fator mais pervasivo, pois essa condição alteria todo o equilíbrio de forças em nosso corpo: nossa massa muscular, a distribuição de sangue entre os vários compartimentos corporais, fluidos (como o de urina), nosso aparelho digestivo, até mesmo a distribuição de nossa microbiota intestinal. Astronautas, que via de regra são selecionados por suas capacidades físicas excepcionais, têm uma sobrevida menor que a de outras pessoas que nunca tiveram a chance de conhecer o espaço. As forças magnéticas produzidas pelos dois pólos terrestes agem como um manto a envolver o planeta, dispersando o grosso da radiação. O espaço é um ambiente inóspido, vazio, averso a qualquer forma de vida (pelo menos, a nossa vida humana), brutal em seu dançar de forças violentas. Infinito. É interessante como, em nosso cotidiano, ficamos tão introspectos, tão fechados em nós mesmos, em nossos afazeres, que simplesmente não consideramos esses pensamentos. Eu mesmo às vezes me pergunto por que tanto dinheiro, energia, expectativa e trabalho estão sendo aplicados em explorações espaciais. Por exemplo, alguns empreendedores estão pensando, em um futuro próximo, criar estações espaciais que funcionariam como uma espécie de resorts ou hotéis para gente com muito dinheiro poder explorar a Lua ou Marte. Por que não devotamos todos esses recursos para resolvermos problemas na Terra? Mas no fundo dá para entender. Somos uma espécie fascinada, sempre se colocando desafios monstruosos, incapaz de aceitar nosso simples estar em um local, mesmo em um único planeta. O gênio humano precisa ser canalizado, concentrado, focado em uma missão como essas. Muitas sub-áreas são criadas dessa forma – por exemplo, medicina espacial. E é interessante, pois, no fundo, tais missões só vão aprofundar nossa compreensão do básico, do essencial: como a Terra, e a vida nela, são condições excepcionais. E melhor: nos foram dadas gratuitamente.