Faltando às aulas

Vem dos EUA a notícia de que os alunos, especialmente do ensino básico e médio, estão faltando massivamente às aulas. Um quarto dos estudantes são considerados como “cronicamente ausentes”. Em parte, isso é ainda reflexo da pandemia. Porém, especialistas apontam para algo aparentemente mais sério: o fato de a cultura estar flexibilizando a presença na escola, tornando-a opcional.

Ao longo dos meus quase vinte e cinco anos como docente posso dizer que o fenômeno tem piorado. O meu universo amostral é o ensino superior, e já tive experiência de passar por diversas instituições. Penso que seja praticamente impossível não associar isso com a ampliação do acesso à internet. Além disso, a pandemia tornou bem mais aceitável o modelo “à distância”. Porém, isso parece ter ido um pouco longe demais e o próprio sentido de estar fisicamente presente numa sala de aula começa a ser relativizado.

Uma vez um aluno me perguntou como eu, como professor, via a “competição” com vídeos no Youtube ou de influencers. Na ocasião, relativizei. Mas parece inegável que o lugar do professor como “centro” irradiador de conhecimentos está diminuindo no mundo real e migrando para outros formatos. Isso, na melhor das hipóteses. Na pior, não está migrando para lugar nenhum!

Educação na Idade Média. Alguma “semelhança”?

Um aluno assiste minha aula porque é basicamente obrigado. Ele não me escolhe. Há o conjunto de disciplinas, e cada professor é responsável por algumas delas. Não tem a ver com uma turma em particular. Na internet, em contrapartida, ele pode escolher quem e o que ouvir. Há uma liberdade bem maior de escolha.

Desse ponto de vista, seria apenas uma troca de seis (presença) por meia dúzia (on-line)? Em parte, sim. Mas a decentralização promovida pela virtualização de todas as relações, das afetivas, laborais até as educacionais, pode estar reforçando certas características geracionais nos jovens. Estes começam a ver o professor como parcialmente dispensável. Jovens-adultos até podem, de fato, ter mais autonomia e considerar que ouvir um professor em específico não compensa – que é muito mais prático e melhor assistir um vídeo sobre o mesmo assunto na internet. Mas e as crianças, elas têm esse discernimento?

Qual o valor de uma aula? Não é apenas o conteúdo. Quando um aluno assiste um vídeo, é só isso que ele recebe: conteúdo. Faltar seguidamente numa mesma aula, e depois fazer um “trabalho de reposição”, pode cair em duas categorias: da parte do aluno, ele está deixando claro que seu interesse é puramente transacional (passar); da parte do professor, de que suas aulas equivalem apenas ao conteúdo do que foi ministrado. Por isso, é muito importante considerar reprovações por motivos de ausência. Mas resolverá?

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Participar de uma aula presencial é estar junto com outros, criando um espaço de compartilhamento, de trocas de olhares, de leitura de implícitos, de ação-reação in loco.

Mais do que isso: uma aula é um evento singular, por vezes até mesmo um acontecimento, algo cuja passagem do tempo torna impossível replicar. E, como todo acontencimento, ele pode ser marcante. Pois nele podem surgir experiências singulares e, como tais, irrepetíveis – e, pela mesma razão, tão preciosas como a própria vida, que é o evento singular mais importante do Universo.

Muitas aulas presenciais são apenas eventos, okay; mas algumas serão acontecimentos. Você dificilmente conseguirá isso numa aula gravada, mesmo que você a repita centenas de milhares de vezes, num puro evento de massificação generalizada, na eterna repetição do mesmo, o tédio instituído como novo normal. A morte do acontecimento, da surpresa singular de cada materialização do tempo na presença. Estar presente (há um duplo sentido aqui!) é, hoje em dia, algo tão ou mais importante que a atenção.

Talvez aceitemos a lenta mas progressiva substituição da presencialidade pela virtualidade porque, no fundo, nós próprios não estamos mais tão conectados assim com o “mundo da vida” – afinal, boa parte de nossas relações afetivas e de amizade também se desmaterializaram. Com todas suas maravilhas, a internet e a virtualização estão nos desconectando de nossos corpos, criando “cidades invisíveis” nos cabos que passam pelo fundo do oceano, por ondas que vão e voltam de satélites no espaço vazio e frio bilhões de vezes ao longo de um mero dia. Igual ao que estamos nos tornando aqui, espaços vazios.