Experimentos mentais, 3: O pequeno animal

Estava sobre a margem de um rio. Caiu ali. O organismo estava sendo dominado por uma infecção. Ele havia passado, há alguns dias atrás, por um galho molhado caído no chão. As folhas desse galho formavam um tipo de prancha, tão lisa que o desfecho inevitável era que escorregasse e fosse lançado contra uma pedra. Só que essa pedra em particular tinha uma estrutura irregular, como um diamante cinza com várias quinas pontiagudas formadas por ângulos esculpidos. A carne do animal é rasgada no encontro seco e direto com um desses ângulos. Estímulos extremamente caóticos são disparados na região do tecido violado. À velocidade da luz, eles percorrem as vias nervosas periféricas, indo desaguar no rudimentar centro nervoso do animal. O resultado surge na forma de um grito estridente, profundo e contínuo, jorrando pelo ar da mesma forma como o sangue estava jorrando do tecido perfurado. O grito se espalha na redoma formada por um enclave na floresta, de onde rodopia pelo ar e se dissipa para o além. Nada nem ninguém podia vir em socorro. A chuva recomeça a cair, e o sangue da ferida é diluído pela água, formando no chão um pequeno redemoinho num decrescente de vermelho, começando bem vivo e vibrante, passando por um rosado, depois por um rosa-alaranjado, até por fim, lá embaixo na trilha em que seguiu bailando com a água, tornar-se quase transparente. A floresta parecia estar diluindo o pequeno animal, primeiro seu grito, depois seu sangue, em poucos dias seu corpo inteiro. Assim, sozinho e frágil, o pequeno animal se tornou presa do predador mais poderoso, impiedoso, do qual era impossível escapar, o predador que existe dentro de qualquer ser vivo, seja do pequeno ou do grande animal. Um predador que fica o tempo todo à espreita, aguardando o menor sinal de fraqueza, uma brecha pela qual ele possa atacar. E uma vez ele lance suas garras sobre sua vítima, então nada mais ela poderia fazer. Nosso pequeno animal fez sua última jornada sobre a Terra primitiva com muito esforço. E é assim que o encontramos na margem desse rio que lhe oferta uma água fresca e límpida para um último gole, sua última interação visceral com a mãe terra. O pequeno animal se estira na margem, onde pequenas pedras polidas por séculos formam uma cama em volta de seu corpo. O dia estava lindo e radiante, com uma fina trilha de neblia à distância, indicando os últimos vestígios da manhã. Do ponto onde está o pequeno animal, a água segue seu curso independente pela floresta. Ao longo de seu caminho, vai refletindo as copas das árvores do Triássico. Parece uma serpente verde ondulando rumo ao infinito. Quem sabe quantos outros animais, como este que acaba de se extinguir, ela vai beijar pelo caminho.

Cena do filme A árvore da vida (2011). Detalhe no canto direito da figura.