Ansiedade

Para mim, e apenas para mim, qual o significado de ansiedade? Vou tentar captar algumas coisas que, da minha perspectiva, seriam a essência dessa palavra. Vou evitar, tanto quanto eu puder, de usar termos ou conceitos ou ideias de alguma corrente da psicologia, um hábito meu. O de racionalizar.

Um contexto em que ela surge é quando há uma única opção a alcançar, e uma em que minha posição não é assegurada. Vejamos um exemplo. Suponhamos que eu tenha entre 5 e 15 segundos, no máximo, para conseguir apertar um e outro botão do teclado do computador e conseguir me inserir em algo, atingir um resultado que é exato, matemático. Ao mesmo tempo, incontáveis outras pessoas estão tentando a mesma coisa, no mesmo tempo e com os mesmos números de botões. Eu posso estar sozinho em casa e ainda assim essa situação coloca em andamento meu sistema simpático. E, ato contínuo, minha atenção fica amedrontada e cometo erros que, em outras circunstâncias, não cometeria, ou o faria menos estupidamente.

Mas, ao não conseguir o resultado descrito na situação acima, aí é que tudo começa. Sou tomado por uma estranha sensação. Neste momento em que escrevo, não consigo achar uma palavra para representá-la. Mas consigo ver alguns de seus sintomas. Por exemplo, quando não consigo alcançar o resultado esperado, procuro resultados substitutivos. E, com isso, acabo inclinado a tomar decisões prejudiciais ou menos favoráveis para mim mesmo. É como se meu limiar de tolerância ou exigência diminuísse e, como numa forma de punição, eu aceitasse – na verdade buscasse – uma posição inferior àquela que eu teria caso o resultado inicial desejado fosse alcançado. É como se, ou o ideal acontece agora, ou mais tarde não vale mais. Prefiro um resultado substitutivo que sirva como a antecipação, graças à força de meu próprio controle, de algo ideal/desejado que não consegui agora.

Também fico inquieto. E surge uma sensação de tudo-ou-nada. Até mesmo de catástrofe. Procuro formas de dissipar essa inquietação. Faço várias coisas. Algumas vezes, resolvo comer em excesso, embora isso seja raro. Agora imagine que a situação descrita no segundo parágrafo ocorra todo dia. E considere que, mais dias não que sim, eu não consiga o que desejava, naquelas circunstâncias de concorrência. Aí vai havendo um crescendo, um acúmulo, de tensão. Vai se avolumando uma ideia dolorida acerca de meu valor. E aí surge novamente a ansiedade. Seria, ao invés, desespero? Bom, esta última palavra já é algo próximo de um conceito (eg., Kierkegaard), e expressei meu desejo de não adentrar por conceitos.

É muito fácil colar em um conceito para evitar de pensar. Admito que faço isso. Não é interessante que conceitos possam ser usados para que não pensemos? Sinto estar mesmo entrando na estrada da racionalização. Antes de sair dela: conceitos são o que, exatamente? Bom, em muitos casos, conceitos são vozes. Essas vozes têm respaldo na realidade, digamos, em alguma evidência empírica? Às vezes, sim; noutras, são só vozes de outras pessoas, criadas por seus pensamentos, suas experiências e sua coragem de criar.

Voltando à experiência. O que eu tenho até aqui? Posição não assegurada, em contexto de concorrência ou ganha-perde (sem meio-termo). Resultado não alcançado. Desejo de controle (ou perda de controle: veja a reação fisiológica). Obsessão por querer que algo aconteça agora. Inquietação.

Seria o corpo uma forma de entender isso? Talvez. Pensei nisso porque, nos momentos de ansiedade, o corpo me entrega. Ele não “performa” como esperado. Ele vai praticamente na contra-mão do que o pensamento esperava. Adianta o pensamento “comandar” o corpo? Respiração, meditação? Aliás, não haveria algo estranho justamente aí, no comando/controle do corpo? Pois, a rigor, tirando o sistema nervoso central (SNC), o que é o corpo? Um sistema organizado, interconectado, que age por meio de sinalizações elétricas/químicas e hormonais. Orgãos e glândulas. Receptores e decodificadores intracelulares. Ação-reação, física, química e, óbvio, biologia.

Não seria justamente o meu SNC, aka minha mente, que, no fim das contas, impõe uma ridícula parnafernálhia de controle sobre o que ela acha que pode controlar, o corpo (pelo menos o corpo ainda saudável)? Aqui poderia entrar pelo caminho de outra teorização, uma relacionando crenças (mentais) e efeitos corporais (mecanismos de tradução entre estímulos, chegando ao comportamento observável). Mas também não vou por ele. Sabe por quê? Bom, primeiro porque não quero racionalizar, como já disse. Depois, e talvez mais importante, porque o SNC e o sistema nervoso periférico (SNP) desenvolveram-se em relação a um ambiente.

Mas vamos mais além disso, pois não penso só no ambiente natural (e tampouco no mental). Quero ir mais além: por que diabos uma criatura impotente, como é o animal humano, não teria pavor (o que é bem diferente do medo de um predador, digamos), não se sentiria esmagado pelo simples fato de estar vivendo aqui na Terra e sabendo quem ele é de fato? É o único, o único!, animal que de fato sabe quem ele é no plano geral do ecossistema terreste e, por enquanto, na parte do cosmos que chegou a conhecer. Então, parece ser parcial (para dizer o mínimo) a teoria puramente adaptativa de explicação do fato de um sistema biológico ter se formado em reação a um meio que lhe era, efetivamente, hostil, e que agora está em um outro ambiente, e tudo que é “hostil” esta na cabeça da criatura. Isso seria pura e simples psicologia, e há muitas, mas muitas, outras camadas na complexidade do vivente. À psicologia, especialmente a de tipo cognitivo-comportamental, devemos deixar a ansiedade e o medo. Já é muito. Mas é absolutamente pouco também.

Deixe-me voltar ao eixo para fechar isso. Creio conhecer bem o mecanismo pelo qual o sistema simpático é ativado. O ponto de interesse é o automatismo com que ele acontece, quanto mais porque, em geral, não corro risco de vida algum – exceto risco narcísico? OK, de novo, aí está um conceito. Aliás, outro conceito para explicar o tal automatismo seriam as crenças estruturantes e também automatizadas. Mais racionalizações! Há, como eu já disse, talvez ou sobretudo um “risco existencial” também. Mas isso todo mundo tem, rico ou pobre, e nem por isso estão aí ansiosos (brincadeira, pois é claro que muitos, mas muitos!, realmente estão ansiosos por aí). Se você tirar qualquer sistema metafísico da jogada, é claro que está todo mundo exposto a esse verdadeiro, absoluto risco existencial real. Portanto, no campo mais amplo da reflexão, não seria um começo aceitar esse risco, depurá-lo das experiências banais cotidianas, e entender onde concretamente eu estou, sou e posso fazer? E eis que aqui deixo outra imensa racionalização, mas que pode ter alguns componentes de verdade. Haveria, pois, o pavor/terror (plano existencial), e haveria a ansiedade/medo (plano individual, cotidiano).

Enfim, estou só tateando, como se tivesse com um pauzinho fazendo desenhos na areira. Só me ocorreu colocar o corpo em questão, como uma hipótese. Mas por que ela surgiu, essa hipótese? Por que desejo escrever algo? Olha aí o pensamento novamente (a tela em branco “exigindo” ser preenchida, como se houvesse alguém ou algo aqui a me exigir qualquer coisa em meu próprio blog). Por isso pensei no corpo? Sim, talvez. Ou foi só para preencher o espaço mesmo. Engraçado, pois agora mesmo chegou uma informação que me deixou ansioso (e eu sei que nada que eu fizer vai mudar o curso que já está tomado…). E quem reagiu primeiro? Meu corpo. Acho que essa é a deixa para eu parar por aqui.