Ainda atuais (2)?

Para quem já leu Espinosa

Veja este, e reflita com o coronavírus como “atualização”

O tipo calado

Há um tipo de personagem em filmes que sempre me atrai: o que fala pouco. Pode variar desde aquele tipo durão, como, principalmente, aquele que, embora sinta coisas profundas e seja empático, não tem pernas para verbalizar tudo o que gostaria – às vezes, talvez nem saiba como expressar, mesmo tendo as palavras, o repertório linguístico. Pensamento e palavra não se sobrepõem, necessariamente.

Claro que deve haver razões inconscientes para essa atração, ou identificação ao inverso, com tais personagens. Costumo falar mais do que gostaria. Ao menos em uma avaliação a posteriori. E na minha carreira eu tenho, basicamente, de falar. Acho que muita fonte de sofrimento do trabalho docente tem a ver com o falar.

Eu sei que esse mesmo falar que traz sofrimento é fonte de satisfação. Acho que tudo tem a ver com permitir alguma sintonia entre X e Y. O que seriam X e Y neste caso?

Nossa, aqui podemos ir longe. X pode ser o desejo, e Y a expressão linguística, corporal, artística, o que for, desse desejo. Mas o ponto é que o desejo não está lá esperando para ser expresso; ele se constrói à medida que ele se materializa, se externaliza, na linguagem (Y).

Mas X pode ser um fato, ou algo que diga respeito à ‘realidade’. Mas temos alguns problemas com isso. Por exemplo, estamos agora, em março de 2020, no início do que parece ser uma epidemia de grande alcane, mas algumas autoridades chegaram a dizer que é ‘fantasia’. Para tais autoridades, X não é o vírus que se espalha, seguindo um padrão já mais ou menos identificado pelo pessoal da saúde. Não. X é alguma verdade mais oculta, que só eles sabem, e que expressam em sua verbalização (Y).

Pode haver o inverso também. Y é imposto sobre X. Nesse caso, falamos o que querem que falemos. Ou falamos algo que achamos que precisamos falar para sermos aceitos, reconhecidos, ou simplesmente para passarmos desapercebidos. Desapercebido, neste caso, é um tipo de alívio, pois, ao usar o Y disponível por aí, não nos obrigamos a lidar com o abismo profundo que parece existir nesse relacionamento entre X e Y. Não acredito, porém, que exista um Y totalmente pronto, feito sob medida, para se ajustar ao nosso X, ou, mais genericamente, para se ajustar a quem somos. Não haveria arte se existisse um certo Y para um certo X. Agora me ocorreu que talvez seja também por isso que me atraio por personagens mais quietos no cinema: eles acabam sendo misteriosos. Interessante o efeito do silêncio, não é mesmo? O silêncio é uma espécie de hiato entre X [ ] Y. Mas o silêncio pode ser apenas…vazio, e então a gente acha que há mistério quando, na verdade, não há nada.

Quando alguém fica em silêncio diante de nós, ou numa conversa, tendemos a falar, a preencher o espaço. Vamos supor, nessa linha, que o mundo todo seja um grande silêncio — como de fato é. Silêncio de vozes humanas, pelo menos — no sentido de que, sem tais vozes, o mundo, o planeta no caso, vai seguir absolutamente o mesmo, talvez até melhor, considerando a destruição que fizemos até aqui. Pois foi isso que nossos ancestrais, antes do domínio da linguagem escrita/falada, tinham diante de si: um imenso planeta. Imagine: eles olhavam para a lua e… silêncio. Quando, por algum mecanismo da evolução, eles esboçaram as primeiras palavras, e estas culminaram nas primeiras frases, e então nas primeiras perguntas, por exemplo ‘Por que estamos aqui?’…silêncio.

Por algum tempo, nossos ancestrais se limitaram a contemplar o silêncio. Seu cérebro ainda não tinha emergido plenamente. A estar com o mundo, corpo-mundo, não se vendo à parte desse grande silêncio. Mas, em algum momento (só para simplificar, pois foi um processo dinâmico e que durou milhões de anos!), a coisa se tornou insustentável e, novamente por algum mecanismo da evolução, a linguagem se articulou e se tornou uma ferramenta para lidar com esse mesmo mundo. Em outro episódio evolutivo, ou cognitivo, descobrimos que X existe e pode ser identificado e objetivado, simbolizado, por Y (linguagem). Foi aí então que aconteceu, ao mesmo tempo, nossa humanização e nossa danação. E não penso no sentido de danação que poderia ter sido (ou que ainda pode) ser evitada. Não, não; danação porque nos demos conta de uma ruptura essencial, fundamental, irreconciliável: X não é igual a Y, mas preciso de Y mesmo assim para sequer cogitar X. E X é mais que Y, sempre.

Para encurtar essa história, e voltar às minhas inquietações iniciais. Quando o relativismo, em ciências humanas, se popularizou; quer dizer, quando a população, mesmo sem saber, passou a aceitar e a viver, sem grandes dores de cabeça, num mundo de versões, conflitos de interpretação, violência simbólica, etc., a partir desse momento começamos a esquecer como tudo começou, de que fomos nós, para todos os efeitos, que, como espécie, não conseguimos, ao preço de ruir nossa própria humanidade, tolerar o silêncio e que começamos a infinita cadeia de X = Y’, Y”, Y”’, Y”’….Yn.

Na vida moderna, no plano mais geral, creio que um exemplo perfeito dessa dinâmica X e Y ocorre com as mídias, sejam elas quais forem. No plano pessoal, a conexão X e Y, como comecei sugerindo, envolve outra dramática. Acho que é, no fundo, a coisa mais importante que qualquer ser humano enfrenta em seu íntimo. A origem, em um plano psicológico, da grande angústia. Só um exemplo: quando falo sobre X, e X é meu desejo, tenho aí um grande desafio. Qual é meu desejo? Quando falo, por certo manifesto meu desejo, em aceitando que o desejo é uma força motora (longa história). Mas também invento sintomas, ou seja, me deixo levar por minhas próprias construções linguísticas ou performáticas, ao ponto de que, se por um lado não consigo mergulhar no silêncio (não como solução para tudo…), por outro minhas construções podem se autonomizar, podem virar uma espécie de religião particular. E mais: pode afetar outras pessoas e criar uma folie à deux (obviamente, deux/dois é só um exemplo; deux pode envolver grande parte de um país, ou do planeta).

Qual o sentido?

Por estes dias estava com algumas ideias na cabeça para um post. Uma, era sobre o sentido de ver a vida pelo retrovisor, vamos dizer assim. Qual o sentido do passado? Estava pensando que podíamos vê-lo quer como nostalgia, é claro, mas também como lembrança (com conotações afetivas isoladas dentro do nosso psiquismo – de tal modo que a gente se lembra dos afetos envolvidos, mas, misteriosamente, nos tornamos como um duplo em relação a eles: sentimos mas não nos afetamos como se estivéssemos ainda lá, naquela imagem vivida no passado), ou como objeto de luto.

Tudo isso foi disparado quando um colega, em relação a um assunto profissional específico, me disse, “well, then move on“, ou algo assim, ou “past through”. Ele não tinha ideia do impacto que isso teria em mim, tampouco eu próprio. Mas, dentro de mim abriu-se esse insight de que podemos de algum modo nos separar, de fato, das experiências vividas no passado e “nos movermos para além delas”, ou, em bom brasileiro, “tocar a bola”.

Mas é sobre a outra ideia que gostaria de falar um pouco mais. Estava refletindo, dia desses, sobre uma situação bizarra, embora provavelmente real, que me veio à mente: como uma pessoa, particularmente uma mulher (não sei por que, mas a imagem feminina incorporou esse pensamento em mim), consegue justificar o fato de estar com alguém? Para ser mais específico, fiquei pensando: como algumas mulheres permanecem casadas com algumas figuras aí da nossa vida política, pública, atual (não me interessa citar nomes, afinal, eles são completamente irrelevantes, especialmente essas pessoas em quem estou pensando)? Como elas justificam seu amor? Teriam elas a capacidade de enxergar algo de bom nessas pessoas com quem estão vinculadas?

Não creio que seja amor. Ou até pode ser, eventualmente. Mas não creio, mesmo, que seja amor. Ocorreu-me, num viés um pouco sombrio, admito, que essas pessoas conseguem justificar, racionalizar, a situação; por extensão, ocorreu-me que todo mundo consegue justificar tudo, pois a linguagem tem uma ampla maleabilidade, permitindo a construção de histórias que, sem uma análise em perspectiva, parecem verossímeis. Acho, inclusive, que tais histórias despertam algum nível de dependência primária dessas pessoas, dessas mulheres, no meu raciocínio (pense, por exemplo, nalgum presidente da república em algum país, ou então em algum ator de cinema, ou jogador de futebol, ou então em qualquer personalidade de moralidade muito duvidosa: não são pessoas solitárias; em geral, são casadas, sem mantêm em algum relacionamento; ou seja, contam histórias, constroem narrativas, à noite, em casa).

Mas, enfim, meu ponto todo é chegar a uma incrível coincidência do destino. Assisti o filme A hidden life, o último do diretor Terrence Malick. O personagem principal tem uma profunda convicção: a de que não é moralmente correta a guerra de Hitler, e ele simplesmente se recusava, como cidadão austríaco convocado para a guerra (e obrigado a tanto, sob risco da pena capital), a ir para o front de batalha e jurar, ainda que “só para inglês ver”, lealdade ao ditador. Ele colocou tudo, absolutamente tudo, em segundo plano em relação a essa convicção, especialmente mulher e filhos. E a mulher aceitou, compreendeu e entendeu essa escolha.

Ao mesmo tempo, o filme provoca sobre uma questão mais ampla: qual o sentido da vida? Bom, eu não tenho pretensão de discutir em profundidade o filme aqui, pelo menos não por hora. Só achei, como disse a pouco, uma tremenda “coincidência” ter me deparado com essa narrativa que constroi uma história que tem o total apoio, no caso, da mulher do protagonista, apesar da imensa perda a que ela é sujeita. Ela acreditava na narrativa do marido, e o apoiou até as últimas consequências.

Claro, neste caso fica “fácil” analisar as coisas, pois temos o feedback histórico e sabemos o que aconteceu com Hitler e sua guerra. Sabemos, agora, que a decisão do personagem faz algum sentido moral mais amplo, e que, de algum modo, a mulher dele havia percebido isso (estou apenas supondo; afinal, um casal, no arranjo do amor, talvez funcionasse dessa maneira, com um apoiando o outro na radicalidade de sua individualidade, sem jamais esperar que o outro “pense” na situação daquele que não está abarcado por essa radicalidade). Mas a mulher sabia, à época? Haveria como ela ter a ideia mais ampla, universalmente falando (humanidade) do que estava em jogo com Hitler, a Alemanha, o resto do mundo?

Voltando a meu raciocínio inicial, e aproveitando a metáfora: saberiam essas mulheres desses personagens de nossa vida pública atual algo que não sabemos? Estariam elas enxergando algo mais amplo, ainda que inconscientemente? Não, eu duvido. E, de novo, o filme é claro nesse sentido: acreditamos em qualquer coisa, não vamos muito além em defender valores e moralidade de alcance, digamos, universal. Justificamos tudo, na pequenez mais abjeta. Achamos que nossa vida vale muito, que, portanto, tudo o mais é “só para inglês ver”, e que pequenos deslizes aqui e ali não representam a escória do que pode se tornar um ser humano, mas apenas algo “menor”, não importante. Achamos que pessoas orientadas por valores universais são idiotas, e que uma vida é muito mais importante que um ideal ou do que a cumplicidade com algum preceito ético kantiano, imperativo.

O valor de uma vida, na nossa sociedade atual e na concepção dessas mulheres (só as estou utilizando, repito mais uma vez, alusivamente), é o valor de uma narrativa, de uma crença, cujo conteúdo de verdade não sabemos ao certo, exceto que são verossímeis em um dado contexto. Especialmente narrativas ao redor do corpo (prazeres, conforto, segurança, aparência). Mas nunca, ou só em casos excepcionalmente raros (como ilustrado pelo personagem no filme do Malick), um ideal é ‘confirmado’ com o corpo. Em última instância, só sabemos o quanto estamos dispostos a sustentar um ideal quando, no mesmo ato, estamos dispostos a ‘financiá-lo’, por assim dizer, com esse mesmo corpo mimado que serve de palco para nossas narrativas atuais, capazes de justificar as maiores atrocidades, os mais insuportáveis absurdos.

Cito a frase com que o filme é encerrado, e que é muito bonita, e que deixo registrada, quem sabe, para a ela voltar algum dia. É de George Eliot:

..for the growing good of the world is partly dependent on unhistoric acts; and that things are not so ill with you and me as they might have been, is half owing to the number who lived faithfully a hidden life, and rest in unvisited tombs.”

Nenhum sentimento é final

Let everything happen to you: beauty and terror. Just keep going.
No feeling is final

Rilke


Neste exato momento alguém acaba de chegar em casa após um dia cheio, rico, com a sensação de que venceu uma batalha digna. E há gente que não fez nada o dia todo e não sabe o que fazer com a própria vida. Tem alguém que conseguiu uma promoção há muito desejada e pela qual lutou muito. Tem gente indo para uma viagem dos sonhos. Tem gente saindo de uma cirurgia, sem saber se vai sobreviver. Tem gente que acaba de ser despedido. De perder um pai, um filho. Tem gente que está se casando. Tem gente fazendo um sexo inesquecível, num lugar inesquecível. Tem gente que recebeu uma notícia triste. Tem gente saindo para jantar fora. Tem gente passando fome. Tem gente que está se reencontrando após uma longa separação, e tem gente que se separou e talvez não vejam mais um ao outro. Tem gente que passou num exame difícil, e tem gente que desistiu no meio. Tem gente sendo humilhada, tem gente sendo exaltada. Tem gente que ganhou muito dinheiro; tem gente que está assinando o contrato de falência. Tem gente que tomou uma decisão muito acertada, tem gente que meteu os pés pelas mãos. Tem gente que está beijando. Tem gente que está apanhando.


Em muitos anos não me deparava com uma frase tão incrível. A do Rilke.
Nenhum sentimento é final. Nem o de mais absoluta alegria, nem o de mais pura desgraça e devastação. Ganhar não é, apenas e tão somente, “ganhar”. Você perde algo quando ganha. Perder não é simplesmente “perder”, um estado final, definitivo. Você ganha algo quando perde. Hoje você está feliz; amanhã, triste.


Não se ater a um sentimento, agarrando-se nele. Apenas deixá-lo passar. Se não conseguimos resolver algo terrível que nos aconteceu, uma perda, uma dor, não façamos nada, apenas deixemos o tempo agir. Da mesma forma, não adianta querer se agarrar a um sentimento de felicidade. O tempo vai te tirar desse sentimento, vai dilui-lo da mesma forma que acontece com uma gota de tinta caindo num rio. O que você está vivendo na sua vida neste exato momento vai passar, seja beleza, seja terror. O tempo nos separa de nós mesmos, assim como a expansão do universo está o separando dele mesmo neste exato momento, por assim dizer. Nem o universo é o mesmo, no dia seguinte.

Trabalho e sentido

Há algum tempo um sentimento me percorre as veias. No início, achei que era mais uma das velhas e boas ‘projeções’ de coisas minhas ao meu redor. Algo comum, acho que todos o fazemos. Agora, porém, estou pensando diferente.

Cena 1: estava, dia desses, passando com o carro em uma avenida. O sinal fechou. Logo na esquina, havia um posto de gasolina. Então, vi vários ‘frentistas’ sentados, esperando algum carro chegar. A questão que me veio à cabeça: qual a diferença disso para uma prisão? Ficar sentado o dia todo, esperando, atendendo alguns clientes, sentando de novo, puxando alguma conversa com o colega, e sentar de novo e, talvez a essa altura sem perceber mais, acomodando os sentidos contra o pano de fundo de um barulho infernal das avenidas que cortam o tal posto?

Cena 2: ontem fui a um local comprar alguns produtos. O funcionário, visivelmente cansado, como já me conhece, puxou um rápido assunto: Está com pressa hoje, ele diz; Sim, confirmo. Eu estou aqui desde às 8h da manhã, não vejo a hora de ir embora, diz ele. Desta vez, porém, não me veio a imagem da prisão, mas, bizarramente, ou narcisicamente, pensei: eu não suportaria viver assim. De fato, pensei: o que seria da minha ‘saúde mental’, para usar um termo tão importante para psicólogos, se minha rotina cotidiana se resumisse a ficar atrás de um balcão atendendo, das 8h às 18h, incontáveis fregueses, fazendo praticamente as mesmas coisas? Embora não tenha me ocorrido, na pele, a ideia de prisão, agora, ao escrever, é disso que no fundo se trata, metaforicamente, de algum modo.

Corte.

Dia destes assisi o filme alemão Werk Ohne Autor. Consiste num belíssimo trabalho, de mais de 3h de duração, ambientado no antes e após a Segunda Guerra mundial, particularmente nas tensões entre a Alemanha ocidental e a oriental (após a guerra). O fio narrativo pelo qual os dois lados do muro eram escrutinados é a vida de um artista em ascensão. O filme começa em uma galeria, com o guia criticando os quadros que expunha: todos de Arte Moderna. Na alemanha comunista, a única arte ‘verdadeira’ era aquela capaz de exaltar o coletivo, o trabalhador genérico, a pátria. A Arte Moderna seria produto ‘capitalista’, uma aberração do Eu. Sem revelar os detalhes do filme, ocorre que, em um segundo momento, há uma inversão: a arte valorizada passa a ser a arte do Eu (com a fuga do artista para a Alemanha Ocidental), ou a Arte Contemporânea, quando, por exemplo, uma exposição com batatas torna-se digna de ser chamada ‘arte’, etc. Mas o que quero destacar é: de um lado, a crítica ao eu, e a ideia de uma arte cuja finalidade social seria, basicamente, enaltecer o trabalhador, essa figura representativa do coletivo; de outro, a arte ligada ao Eu, ao individualismo, à potência criativa de uma mente, de um gênio ‘empreendedor’, embora também pudesse estar voltada para questões concretas e coletivas.

O que isso tem a ver com os dois parágrafos anteriores? Fique pensando: no comunismo, ou pelo menos nesse recorte específico da ‘arte no comunismo’, o propósito parecia claro: dar ao trabalhador, pela via da arte (na qual ele era o personagem central), um senso de propósito, uma estética laboral, um sentido do porquê de ele, não raras vezes, dar sua vida pelo Estado, via trabalho (veja a narrativa belíssima contida na série Chernobil a esse propósito!). Na sociedade contemporânea, “Ocidental”, capitalista, o que a arte diz para o trabalhador do posto de gasolina ou do empório que descrevi a pouco? Absolutamente nada. Então, a questão central: o que motiva, se é que existe algo que o faça, o indivíduo a se ‘sujeitar’ àquelas condições?

Nossa realidade brasileira, particularmente daqui onde escrevo e vivo, é tão surreal que a questão talvez nem faça sentido.

Corte.

Li hoje uma matéria do New York Magazine sobre a empresa WeWork, fundada por um rapaz chamado Adam Neumann. Trata-se de uma empresa cujo negócio é prover espaços ‘inteligentes’ de trabalho para ‘empreendedores’. A ‘filosofia’ da empresa, instilada por seu fundador, é de que, por meio de suas novas ideias, ela vai ‘mudar o mundo’ (sic). Pelo discurso, trabalhar em tal empresa não é meramente um ‘emprego’ (como é o caso de 99% das pessoas da cidade onde moro no momento, arrisco dizer), mas uma ‘missão’, algo para gente realmente visionária e empreendedora, que sai à luta par ganhar seu espaço ao sol (um mantra de Neumann é: Só vale o que você sai para caçar!). Não oferecem meramente salas para sublocação com alguns serviços inclusos (esse é, de fato, o business da empresa); oferecem uma ‘nova visão de sociedade’, um novo ‘sentido de trabalho’, uma nova filosofia de conquista. Não se trata, obviamente, de uma ‘arte’, mas é como se correspondesse a seu objetivo, oferecendo ao trabalhador uma narrativa pela qual ele acorda de manhã e passa não menos do que 14 horas no trabalho.

Então, chego ao ponto nevrálgico: o que sustenta a motivação de uma pessoa no trabalho? Não quero cometer injustiças aqui, mas uma resposta muito comum dada a esta questão é brutalmente simplista. As pessoas trabalham, no nivel micro, para se desenvolver; essa seria a visão mais ‘burguesa’, por assim dizer (pois, de fato, não me parece que os frentistas do meu posto, ou o atendente do meu empório estavam ‘se desenvolvendo’ em nenhum aspecto, pelo contrário: estavam com o semblante do presidiário). Outra é de que precisam sobreviver. Esta é a resposta do ‘analista crítico’ de plantão. Óbvio que a grande maioria trabalha porque basicamente tem um corpo; sim, um corpo: tem necessidades, e também tem outros corpos para alimentar. E não tem nada mais a fazer senão ‘vender’ sua (brutalmente substituível) força de trabalho. Poderia emendar, usando uma bela metáfora de Agambem: eles têm um ‘corpo nu’, e nada mais.

Em não havendo a ‘revolução’; em não havendo, seja uma arte comunista (veja o filme) que pavimente um caminho (uma ‘boa ideologia’) para justificar o tempo perdido pelas pessoas em trabalhos massacrantes, nem uma narrativa empreendedora de empresa ‘new age’ como a WeWork (afinal, ela não é brasileira e, mesmo que fosse, não seria para todo mundo), o que resta? Criar pequenos projetos, quase de sobrevivência mental, do tipo “Trabalho para sustentar minha família”? Ou algo surreal e absurdo do tipo: “Trabalho neste posto de gasolina, como frentista, para contribuir com o desenvolvimento do Brasil, na medida em que ajudo pessoas a se manterem em movimento com seus carros?”. E se chegássemos à conclusão de que, por mais que preferíssemos o contrário, não haverá nenhum sentido, e o tempo para essas pessoas vai passar e escorrer, vão perder sua saúde nesses trabalhos, e o máximo que conseguirão é manter seus corpos, e de seus agregados, minimamente ‘vivos’? Em se admitindo isso, e não pretendendo ficar num cinismo realista, como pensar a relação trabalho e significado? Que ‘significado’ haveria de ser esse que não consegue ir além do corpo, ou, quando muito, de alguma narrativa ‘hight tech’ cujo propósito, antes de criar algo para a sociedade, é o de enriquecer seus proprietários (a tal WeWork vale, no momento, bilhões de dólares, e paga miseravelmente seus funcionários)?

Não tenho resposta para isso, até porque é neste ponto em que estou me debruçando para pensar um plano de ação (um projeto de pesquisa, basicamente…tudo começa assim em nossa profissão [pesquisadores], certo?). Mas me parece que uma reorganização dos estudos sobre sentido do trabalho poderiam se beneficiar de uma articulação melhor, não com os ‘estados psicológicos’ e seus níveis de impacto pelo trabalho (desenvolvimento, etc.), mas, sobretudo, com as conexões entre o sentido ‘micro’ e o ‘macro’, especialmente num Brasil completamente sem narrativa agregadora (não temos a narrativa do capitalismo, como nos EUA, nem tampouco a narrativa de uma pátria ‘engrandecida’, como os países da Europa ainda sustentam, por osmose ou inércia, de seu passado).

I believe in homicide (song + ideias)

Número 1

Às vezes, me arrependo de falar. Tenho uma relação ambígua com a palavra: ao mesmo tempo em que tento mantê-la longe do meu turbilhão interior, ela escapa para lá e funciona como lenha na fogueira. A construção narrativa escala de tal forma, toma tanta força, me deixa tão transtornado, que a única saída é desacelerar abruptamente, e entrar tenramente no reino da depressão.

Número 2

Aqui não há psiquiatras, nem pessoas bem-intencionadas. Sei lá quem é meu leitor neste mundo anônimo. Mas penso, tirando os casos de aberração clínica, que a depressão te coloca em uma sintonia mais fina com a realidade. Pelo menos, por comparação: uma aventura esquizóide ou obsessiva-compulsiva te torna cego e surdo; a depressão, não – a depressão te joga num buraco de silêncio, mas não de desânimo ou pavor, necessariamente, mas de abertura. Em não havendo nada na mente, nenhuma narrativa-fogo escalada pela linguagem, pode haver um instante de calmaria necessária (embora talvez não suficiente) para pensar posicionado no andar térreo da vida, olhando o horizonte da altura do chão, sem descolar dele, mas em vistas de erguer algo que se sustente. O que se sustenta? Bom, os existencialistas diriam que nada se sustenta OU no sujeito OU no mundo. Seria na relação entre ambos. Não acho: o mundo se sustenta. O que temos de fazer, do silêncio desse tipo de depressão de que falo aqui, é nos sintonizarmos com ele. Sermos menos “sujeitos”. Falamos demais, fazemos pouco com o mundo.

Número 3

O que esqueci de dizer no post anterior é que os modos de vibração podem ser puramente imaginários, fantasiosos. Estes dias, aliás, estava pensando sobre a fantasia. Ela é como que aquele palito de fósforo que usei na descrição de “Fagulha”. A fantasia pode ser um vento tão forte que arranca tudo pelo caminho. A fantasia é uma forma, ao mesmo tempo, de incrementar a vida banal cotidiana, o tédio, como também uma forma de escape, de negação, de subuso. A fantasia não é um sonho. A fantasia pode ser um pesadelo, por vezes dividido a dois, o que a torna ainda mais perigosa, pois, em dois, ela pode parecer verdadeira.

Número 4

Quando, volta e meia, me perguntam, e aliás perguntam muito, em que acredito “de verdade”, me enredo nas palavras. E mais e mais me afogo nelas, tento nadar por muitas, achar uma saída, mas, quando me dou por mim, estou mais afundado nas palavras, um córrego vira um rio e o rio deságua no mar, e então as palavras vão seguindo e eu, navegando nelas, sendo enredado por elas, por uma força da qual desconheço a origem, mas vou sendo levado. Não posso dizer no que realmente acredito, pois, quando tento, sinto gosto de cobre na boca, ou zinco, ou ferro (mais provável). Pois no que realmente acredito é: no oposto do que é, ou em tudo aquilo que nunca poderá deixar de ser o que é. Quando te perguntam no que você acredita, no fundo, eu acho que ou é uma traição, ou é um desmascaramento. Ambas, desagradáveis…talvez, em alguns casos porém, necessárias.

Número 5

Estando entre muitos, vivo como muitos e não penso como eu; após algum tempo, é como se me quisessem banir de mim mesmo e roubar-me a alma — e aborreço-me com todos e receio a todos. Então o deserto me é necessário, para ficar novamente bom”

– Nietzsche, Aurora, §491

Fagulha

Escrevi em algum momento neste blog que um aforismo do Nietzsche me dizia muito. Acho que foi há uns bons anos atrás. Tentei achá-lo novamente, na íntegra, mas não consegui. Acho que era do Humano, demasiado humano, mas não encontrei.

A idéia era simples. Aqui vai com a liberdade de minha memória/imaginação. Uma poça d’água, dessas de beira de estrada, em algum lugar com pouca circulação de pessoas. No alto de uma colina, em uma estrada de terra, por exemplo. Essa poça fica parada e tranquila na maior parte do tempo. Esse seria, digamos, o ‘estado natural’ dela. Mas eis que, em um dia qualquer, passa um cavaleiro e por qualquer razão provoca um distúrbio na poça, seja por passar com o cavalo perto dela, trepidando a região, ou por ter lançado algum objeto pequeno sobre ela. O fato é que, como se poderia imaginar, um gesto involuntário como esse acabou alterando o estado natural da poça e seu conteúdo. O que Nietzsche em seguida dizia, na ‘interpretaçaõ’ da situação: evite situações em que seu estado ‘normal’ de funcionamento é alterado, pois leva tempo para voltar ao normal e, ao cabo, a experiência nem sempre é válida ou ‘enriquecedora’.

Mas me ocorreu uma outra possibilidade, embora, evidentemente, entenda o contexto do aforismo original (a perspectiva de você tornar-se quem você é, não se deixando ‘moldar’ pelas circunstâncias exteriores, tampouco tentar, vamos dizer, violar-se em certos contextos ou escolhas ou lugares que não correspondem, no fim e ao cabo, à sua ‘natureza’).

Vamos supor que você esteja na sua, como se diz, acondicionado em seu suposto estado natural. E se protegendo para não ter nenhuma pedra ou turbulência próxima à sua “poça”. Mas tal pedra vem e, no final das contas, isso pode ter alguma positividade. Para argumentar nessa direção, considere uma outra metáfora: agora, a de uma corda presa em duas extremidades. A depender do modo com que é tangida (a força que lhe é aplicada), essa corda vibra em diversas frequências (mantidas, obviamente, as mesmas densidade e comprimento). Embora ela sempre vá possuir o que os físicos chamam de ‘frequência fundamental’, ou primeiro harmônico, ela também pode vibrar em outros harmônicos. Como um violão, cujas cordas, a depender de onde são ‘presas’ pelos dedos do músico, emitem sons com diferentes frequências, umas mais, outras menos agudas.

E se formos, similarmente, como tais cordas, que podem vibrar em diferentes harmônicos? Haveria de o segundo harmônico, por exemplo, ser menos ‘representativo’ da ‘essência da corda’, e, pulando para a realidade, da ‘essência ou modo natural’ de uma pessoa?

Por característica de personalidade, sempre tive a tendência, embora sem quase nenhum sucesso, de operar na metáfora nietzschiana. Para alcançar meus objetivos, em geral profissionais, mas com certeza não apenas, toda minha atenção precisa estar condensada e, para isso, a superfície da ‘poça’ da minha existência deveria estar sempre no seu estado fundamental. Óbvio que, a todo instante, somos afetados pelo mundo. Não vivemos no alto de uma montanha. Também é óbvio que, criando um espaço para si de protenção mínima (uma substituição para a experiência primitiva do útero), nos defendemos, por assim dizer, das afetações do mundo, ou, para usar uma palavra menos bélica, nós acolhemos as afetações do mundo a partir de um lugar onde as possamos, primeiro, digerir (de um ethos ou casa). A despeito disso, ocorreu-me, por estes dias, que talvez seja possível vibrar em outras frequências, e esses outros níveis de vibração, embora não sejam idênticos ao do ‘primeiro harmônico’, ainda assim dizem sobre sua própria existência, a compõem, eventualmente a densificam.

Só não sei precisar qual seria o limite. Quer dizer, até qual harmônico se conseguiria ir sem alterar o modus operandi básico de um funcionamento cognitivo que, como uma planta exigente, necessita de um ambiente ‘still’ ou em equilíbrio dinâmico pelo menos, para então poder desabrochar? Pois, se de um lado, talvez seja difícil blindar-se completamente no alto da montanha, por outro as afetações, ao alterarem o modo fundamental de vibração, podem criar uma ressonância e, a depender da natureza do ‘material’ da corda metafórica, romper-se (um copo de vidro, em ressonância, pode romper-se). Ou criarem um novo arranjo, uma nova gramatura de movimentos, todos em alternância, sem que um canibalize o outro (o medo de perder o controle cognitivo, ou uma visão muito estreita sobre o que é a própria cognição).

***

A ‘fagulha’ do título é só uma imagem para simbolizar o fato de que, por exemplo, a poça no alto da montanha pode estar preenchida com álcool. Na continuação dessa metáfora, é também possível imaginar o mundo como uma imensa caixa cheia de palitos de fósforo. Você pode ser ‘acionado’ pelos movimentos aleatórios mais banais, imprevisíveis, e seu pensamento pode vibrar e novas conexões serem feitas, como também novos distúrbios serem gerados – o ponto é em ‘digeri-los’, fazer algo com eles. O que diz sobre você essas novas vibrações? Como chamá-las? Pois poderiam haver vibrações em todos os campos ‘tradicionais’, como o profissional, o afetivo, etc. Qual a amplitude da variação, ou seria a vida, justamente, experimentar a maior amplitude possível, pois, como poderia dizer Deleuze, qual o limite ou o que pode um corpo (ou foi dito por Espinosa)? O corpo seria, nesse sentido, o palco de vibrações insondáveis, de construções cujas amplitudes diversificam a existência, como também podem a estilhaçar (o copo quebrando)…

Post-scriptum. Enfim, como a cognição pode ser afetada por essas formas alternativas de vibração é o que, hoje, me causa certa inquietação. Mas, assim como fazem os músicos, quando usam um diapasão para afinar seus instrumentos, assim também podemos fazer com as afetações do mundo. Para os que são de psicologia do trabalho, por exemplo, certamente vão se lembrar justamente dessa proposta feita por Y. Clot ao falar do papel do gênero profissional: agir como um diapasão, capaz de sincronizar as pessoas ao redor do real do trabalho.

Estou confuso

Embalado pelo espírito nós-e-eles que, mais uma vez, invade o país, fiquei com um pensamento no ar, sobre o qual gostaria de falar aqui.

De um lado, o discurso de que o nível material de uma pessoa tem a ver, praticamente de modo exclusivo, com ela própria. De outro, o discurso, mais voltado ao lado social da coisa, de que devemos entender a desgraça vivida por muita gente no nosso país como uma reminiscência de um passado de exploração.

No primeiro caso, eco na minha cabeça se faz por ouvir, por mais do que o tempo recomendado pela segurança mental, alguns jornalistas da Jovem Pan (não sei escrever os nomes, mas é fácil deduzir). Paulistas, acreditam, decerto, no mérito, na ‘ousadia’. Devem olhar para o próprio umbigo quando pensam e julgam os outros como “responsáveis” pela sua própria desgraça (pobres, em geral, eu suponho). Claro, se eles deram “tão certo”, graças a tanto trabalho, por que esses ‘brasileiros’ chorões ficam aí pedindo bolsa família e votando no ‘poste’? Vê-se claramente, nessa gente, a espuma do ódio na boca. Vejam o prazer que eles têm ao descrever o que chamam de ‘esquerda caviar’. Ok, sei que isso já está talvez bem velho…

No segundo caso, a mentalidade corporativista mais aliada ao pensamento “sou medíocre, mas, junto de outros, ganho alguma vantagem”. Esse é o quinhão da galera que acha que dinheiro dá em árvore. São os defensores do ‘povo’, da ‘exploração congênita’ e da distribuição ‘comunista’ dos bens (vulgo “propriedade privada”). As cordas vocais desse povo é azeitada por contra-cheques pagos pelo serviço público. Se inquiridos sobre como seu salário é composto, com certeza devem desconversar. Se ouvem a palavra “empreendedor”, têm um ataque intestinal e enegrecem tudo ao redor.

Seria possível ‘juntar’ essas duas versões? Pois, convenhamos, enegrecer o ambiente quando se ouve a palavra ‘empreendedor’ não deve ser lá razão para comemorar. Porém, ficar, diante de um microfone, bravando ‘meritocracia’ num país carcomido pela pobreza e ignorância decerto também não seria algo que a ONU iria recomendar.

Estou te dizendo o seguinte: que minha subjetividade está dividida nesse negócio. Pessoalmente, acredito que há, sim, muito corpo mole por aí. As pessoas, sob a verdadeira justificativa de que não têm nada, acabaram aprendendo apenas 100 palavras da língua portuguesa, e elas têm a ver com ‘direitos’. Discutem a penúria. São aferradas a Maslow: “Meu amigo, não dá para discutir nada se o bucho não está cheio”. Mal percebem que, ao pensarem com o bucho, vão morrer com ele.

A esquerda brasileira, velha e carcomida como bom ‘intelectual’ de esquerda, acha que o mundo é uma colônia onde todos deveriam dividir a mesma escova de dentes. São ontologicamente indignados. Até assumo que devam sofrer à noite pensando na desgraça do brasileiro – sei lá, 80% da população. Mas elas preferem fazer isso no ‘conforto’ do contra-cheque pago com dinheiro do Estado – que, aliás, defendem que deva ser ‘atuante’ (jura?).

A direita brasileira, por seu turno, é composta, predominantemente, por velhos que ganharam muita grana num país de desdentados, e que, por razões obscuras, acham que isso foi mérito deles. Odeiam a eles mesmos, mas não percebem isso, pois não se conformam em ter nascido na colônia. Pois pergunto o seguinte: se, enquanto a esquerda corrupta tem o sonho de fazer o povo ter o que comer (ora, pelo menos é um vestígio de utopia), a galera da direita tem qual sonho? Ser um ‘gigante da América Latina’, ou conseguir comprar o novo iphone nos EUA? Não têm qualquer vontade ou tesão por pensar em construir um país internacionalmente respeitável. Vão seguindo a manada, em geral, a manada das commodities.

Voltando ao início: embalado pelo discurso corrente, só reflito minha covarde incapacidade de superar a ‘dialética da contradição’. Enquanto isso, vamos seguindo nas duas correntes: os ‘empreendedores’, de um lado, e os ‘revolucionários’, de outro.

A JJCC.

I prefer listening to talking (#53)

Danish divagations II (the smile)

After some time here in Denmark, I came to realize a certain Danish cultural trace (at least this is what I’m able to catch as a foreign). Walking down on the street, it is not uncommon to be surprised by someone smiling at you. Yes, people that are completely unfamiliar to you can look at you and … smile to you! It has happened to me at the supermarket, at the park, and at the street. Typically, it is a glance of a smile, but even so a smile.

First, of course, I thought that it was something addressed to me. Then I started to check out which kind of person used to do that more frequently. The result of this rough “survey” was that older woman used to smile more often that the younger ones. Well, but eventually I was also gifted by some young girl smile.

In a self-centered culture, where the face is a proxy to, obviously, the self, I think my first reaction was entirely understandable. The person somehow only exists to the other when she is seen by the other. More specifically, when their eyes meet. Social encounters – like at public spaces – are ruled out by an impersonal code according to which, if my eyes turn out to meet your eyes, immediately I’m supposed to shift them away – for instance, to the sky or the other’s shoes.

But what should I think when in addition to eyes contact, the experience comes with a smile? Both as quick as lightning? When my eyes glance off someone’s eyes as we walk past on the street, a sort of “relationship” is immediately settled. What kind of relationship? Well, you feel like beeing recognized, but not as Pedro, a particular self (even if I’d prefer the opposite), but as a person like the other. Second, you may feel some kind of reciprocity. Levinas, in a book about the Face, said that the face (not necessarily the physical or even psychological one) is a way to “face” the alterity – but, in Levinas’ account, I recognize the other’s suffering face. Here what I’m looking at is a smiling face, something quite different from a suffering face.

Over time, I finally came across with a hypothesis, an explanation for this (I guess) typical Danish behavior. Smiling is as much impersonal as swift eyes away. Here’s my guess: it is the way that the local culture found to regulate the social behavior, the borders between the intimacy/strangeness. In the social encounters, I unconsciously tell you: “Don’t be afraid, I’m a kind person, and I’ll not hurt you.” But, in return, “I hope you do the same to me.”

My question is: what happens when someone wants to demonstrate some particular “interest” in someone else, as when you are trying to get on with someone? There will be a different nuance in the way they smile, or look at one another? Could be the opposite, I mean, if I’m interested in you as a singular person, should I “ignore” you, or maybe could I have any trouble in staring at you?

Plastic

Plastic is, probably, one of the most ingenious discoveries of our advanced, scientific and industrial era. We depend heavily on plastic to the well-functioning of our daily life – a toothpaste tube, a medicine bottle, all the pieces that compound the computer I’m now using to type this post, plastic bags we use to pack our stuff – there are so many applications to plastic-made objects that would be hard to sum up here. In a word: I can’t imagine our life without plastic.

But is well-known that plastic can be, at the same time, one of the worst enemies of nature. Plastic is difficult to degrade. And if we add to this characteristic the fact people are sometimes irresponsible in the way they throw out their no more useful plastic objects, then we can imagine the problem. Indeed, each year, tons of plastic debris are simply dumped into the ocean – the natural habitat of many species of seabirds.

One of these birds is the Laysan albatrosses. What a gracious creature!

These birds have a long wingspan, and they fly vast distances without flapping their wings. They can also spend years without touching land, living for more than half century. As if were not enough all the threats we human beings are causing to their environment (breaking the balance of their habitats), now they face a new menace: tons and tons of plastic that are dropped into the ocean every year. The problem? A recent study shows that this plastic is confused as their natural prey. This happens due to a chemical process that misleads these birds – the plastic debris generates a dimethyl sulfide signature that is the same trace these birds use to identify their ‘food.’ The result: they swallow this debris and then…. they die as a consequence. The photographer Chris Jordan has captured this tragic outcome in images like the next one.

chrisjordan1

I know. I know. While this is happening, you are concerned with your life. What is the value of the Albatrosses’ life? Your son is infinitely more important. The paper I’m struggling to publish right now is more important. Even what I’m going to eat next is more important. Who, in the so-called “First World” is concerned with the destiny of the plastic waste they produce? Most of the people have a shit for that. And so we in the “developing countries”.

How far goes our self-sacrifice?

Human beings are much more close to the ‘early man’ (primitive man) than might be expected. Imagine the following situation. You (or me) work all day long. You arrive at home and expect to have your meal prepared (by yourself our by someone else). You eat. If it is cold, as is the case here where I’m living, you also expect to be heated. Then you sit down on your couch. You may decide to watch the TV, or work a little more in front of your computer. Your mind could be busy – you could be anxious about the bills you have to pay in the next day. Or concerned about your kids (your younger sun is going badly at school), your wife or husband. Or you might be concerned because of an even more frivolous reason: let’s say because your football team lost the last championship. Or you are annoyed because of a bug flying around your head and buzzing in your face.

I’m not entirely sure, but I bet that most of our everyday activities show a degree of inertia. At best, your noblest personal project is raising your kids in the best way possible, or your dog, or help your old mother/father, keep your house, or car, or stuff in general. Or maybe you have put all your energy in your work – you’re concerned with the future of the company to which you work to. You truly desire that the firm goes beyond all its limits, and you’ll probably feel proud of this accomplishment.

Maybe you have an ‘inner’ voice telling you that your actions and achievements are indeed adding some value to the world. Somehow, you feel you are contributing to making this planet a better place to live -at least for the next generations. You throw your rubbish away every day. You pay your taxes. You buy your clothes, the fuel to our car, and eventually, you make the waitress working in your favorite restaurant happy with some generous (although occasional) tip. You think you are a good guy, a good person.

Yes, someone could say that keep our daily life is an act of courage. After all, affording our standards is not an easy task at all. It takes time, effort, labor, patience. However, I think that broadly speaking, we are far, but far, from a life based on, let’s say, ‘political values.’ I’m going to mention only the political surroundings in Brazil: I venture to say that 99% of the politicians decide to go to this life because of the status provided by this position, the money they earn (direct and indirectly). They hardly are concerned with the public good in a romantic point of view – that is to say, seeing beyond their self.

Well, I think that most people are conservative in a deep and unconscious level. They don’t want to ‘fight’ for anything except their personal and all-embracing way of life. I think this is related to the emergence of the ‘affluent societies’ over the past century, at least in the West. If I need something to eat (from the essential provisions to the most exotics products), for instance, I simply go to the supermarket and buy it. I don’t need to go to the forest or whatever to hunt my prey (Unless if I decide to hunt as a hobby or sport…). And we [middle class?] are also got accustomate to a comfortable life, with our little luxuries (a glass of wine, a warm meal, a private house, a private bedroom, etc.). Hard to get, easy to lose.

I’m not saying we are weak or that we became ‘coach potatoes,’ when compared to our ancestors. But maybe we are less prone to engage ourselves in acts that demand courage and, especially, self-sacrifice – perhaps because self-sacrifice is no longer considered as much as necessary to the perpetuation of our species. You could object that raising a kid or work hard in a line-based company or fast-food chain every day is a sort of “abnegation” or endurance (courage?). This could even be true but is an abnegation inside a narrow world: our world and the work of OUR family. Do you believe that each family is a cell of the society? Working in an interdependent and intertwined way? Private vices, public benefits (Mandeville)?

How much would you be ready to, let’s say, work freely for someone else in order to help them? How about receiving immigrants in your country and assist them restoring their lives, even if this implies some degree of self-sacrifice (let’s say, sharing something that belongs to you with them)? The Brexit: Have you ever imagined if, instead of saying goodbye to the Europe, the Britains had decided to remain and help to build a stronger Europe? In Brazil, do you can imagine ourselves helping some child on the street – giving them some food or even inviting them to stay in our house while we help her to find another place to live?

I’m portraying something far beyond a utopia. Engage ourselves in such a kind of abnegation or not interested behaviors challenge the central tenets of your society, our collective, and personal culture. This society relies on a value hierarchy where the individual is placed on the top; then, the proximal other (my relatives); and then the other that belongs to the same community as I do. We rarely can see further. One person indirectly helps another one only in a mediated way – for instance, through her work.

I mean: if I work for the State/Government, for example, and my job implies to assist homeless people, I do that because this is my job and I’m paid for doing that. Sometimes we heard a couple of histories about self-sacrifice from the part of these social workers, but this is not the case for everybody being paid to do something that was ascribed to them as part of their formal activities. Otherwise, we have no time, no physical conditions, and especially no deep and pristine desire to act towards the other in a abnegate way. We are not stupid, you could say.

Well, this is the ‘spiritual’ background behind what I tried to discuss in my previous post. I have no answer regarding how to overcome (if this is possible at all) this state of things. And, yes, I probably oversimplify the issue. It’s because I have no intention to argue based on “proved” facts or high-level theorization. I’d like just to share some current ‘feelings’ about myself, about the world where I live.


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