Liberdade

Uma pessoa pode ter motivação, mas não ter um objetivo a alcançar? Conversando com algumas pessoas, não raro me pego pensando que elas não conseguiriam viver sem um objetivo, mesmo que tal objetivo seja uma tarefa, uma meta de curtíssimo prazo. Se for aquele tipo de pessoa irriquieta, então esta pode contentar-se com “um dia a cada vez”, mas desde que, nesse tal dia, haja algo a realizar, a alcançar. Há, inclusive, aqueles mais sistemáticos que chegam a anotar em agendas e cadernos suas ‘metas’ diárias.

Uma pessoa que não tem objetivo pode experienciar depressão? Bom, pode ser estereótipo, mas deve ter muita gente de ‘papo para o ar’ por aí que não deve ter nenhum problema em ficar na brisa das circunstâncias, especialmente se puder contar com o trabalho de outros. Mas uma pessoa que, como muitas, nasceram e foram educadas em uma cultura orientada por objetivos, sim, provavelmente ela vai se deprimir, e nisto temos a faceta bastante moderna dessa patologia. Nesta faceta, a depressão é uma doença do vazio, da incapacidade ou da impossibilidade psíquica de fluir a vida sem um objetivo. Sem este, a pessoa pode se sentir inútil, imprestável, à deriva. É claro que uma pessoa com muitos objetivos também pode se deprimir, mas aqui se trata de outra faceta da depressão, aquela estudada por filósofos pop como o autor de A sociedade do cansaço (Byung-Chul Han). Sociólogos muito mais sérios já haviam percebido isso faz tempo (por exemplo, Alain Ehrenberg). Aqui, depressão é um tipo de burn-out, um consumo radical da energia vital, e, psicanaliticamente poderíamos acrescentar, uma espécie de válvula de segurança para que o sujeito simplesmente não se dissolva no atendimento do gozo do outro (sobretudo se esse outro for um chefe, uma empresa, um pai ou mãe implacáveis, etc.).

Então, o que nos resta? De um lado, o deprimido sem objetivo; de outro, o deprimido por sobrecarga e estiolamento psíquico. Como separar o joio do trigo? Porque veja, uma pessoa ‘sem objetivo’ e, como tal, simplesmente à deriva, ela está mais longe ou mais perto de seu plano geral no cosmos, por assim dizer (metaforicamente)? Considere ainda o seguinte. Quem disse que perseguir um objetivo é algo, necessária e intrinsecamente, bom? Vamos considerar uma coisa bem simples. Você precisa trabalhar. No trabalho, você traça objetivos em relação à sua carreira (sua experiência com o trabalho no tempo, independente de onde esteja trabalhando no momento), e traça objetivos em relação às tarefas concretas a serem realizadas. Ou segue objetivos traçados por outros, tanto faz para nosso propósito aqui. Então, você recebe seu salário. Aí você compra um carro. Estabelece uma casa, tem uma família. Aí os objetivos começam a se sobrepor e a acumular. Quando você tem um filho, por exemplo, você não conseguirá jamais escapar da força de ter de fazer coisas para ele, sendo que tais coisas sempre serão percebidas por você como a coisa mais sublime e justificada (no amor, na criação, etc.) para enlaçar seus atos, seu tempo, seu trabalho, seu suor, tudo. Sua vida passa a orbitar ao redor do outro que, detalhe, você gerou (pois é mais difícil o mesmo nível de apego quando não se tem o próprio filho; desconheço razões etológicas para isso – podem haver). Sua vida sai de você, e você entende esse gesto como um doar-se, como uma abnegação para que um outro se desenvolva; se você for religioso (mesmo que não pratique religião), então, aí a narrativa estará totalmente armada. Sua vida tem seu eixo fora dela; e, na sua cabeça, isso tem de ser assim mesmo, você sente na carne isso, como não poderia ser? Inclusive, o nível das emoções é tão evidente que todo o conhecimento gerado por esta pessoa sobre sua circunstância e sobre seu estar no mundo (no Cosmos) fica obliterado, ou confundido, embaralhado. E 80 anos passam muito, mas muito, rápido; quando se vê, a vida estará no fim, e a sensação de vida justificada daí se seguirá.

Assim, a certo ponto, ao se deixar levar na ciranda da vida cotidiana, orientada por objetivos, metas, expectativas, foco, coisas importantes, etc., você acaba se enebriando num tipo de pensamento imaginário que se alimenta a si mesmo, e, ao mesmo tempo, suas emoções começam a ser reguladas por esse mesmo imaginário. Ah, vão nos dizer os realistas, esse seu papo aí é coisa de gente que pensa demais; seja uma pessoa prática, pare de questionar, o mundo precisa de gente que arregace as mangas e construa um futuro melhor, etc. É muito difícil, talvez até impossível, ‘discutir’ com quem ‘sente’ as coisas como ‘certas’. Você mesmo pode achar que você está certo; seu pensamento pode estar tão orientado pela imaginação que você não consegue, cognitivamente, abrir algumas portas e considerar outras janelas. Mas o que haveria para além da imaginação?

As causas reais das coisas. Talvez você possa me dizer que isso não existe, afinal, vivemos num “mundo relativista”. Mas existe, sim, um plano além do da imaginação, mas para chegar até ele é preciso usar a razão, a capacidade natural de nossa mente, em seu estado natural, em sua potência natural.

Ao tentar avançar um pouquinho para fora da imaginação, e de suas emoções ou afetos correspondentes (reativos, na maior parte), algo mais ou menos assim ocorre: é como se você estivesse acostumado com as luzes da cidade, à noite; então, quando dirige para o campo, quando as luzes artificiais rareiam, então você se dá conta de que, nossa!, há um céu, há estrelas, e há um infinito em todos os cantos. Este é só um exemplo. Não falo aqui de contemplar a ‘natureza’ (coisa que, em geral, quem diz é quem é rato de cidade), falo em descentralização radical, perspectiva, apercepção de que estamos na Natureza (novamente, não confundir com passarinhos, lagos e lagoas!). Quer outro exemplo similar: você percebe que tem um corpo? Parece boba a pergunta, mas não reaja assim logo de cara. Muitos de nós sequer nos apercebemos como sendo um corpo, na verdade, e que esse corpo é um corpo que faz parte da Natureza – mas ele também, ou sobretudo ele!, foi enredado pelo conhecimento atrelado à imaginação…

É impressionante como o nossa imaginação, turbinada pela sociedade do espetáculo e das telas, nos lança tanta luz (literalmente, no caso das telas), que X passa a produzir X, ou seja, um pensamento leva a outro pensamento, que se “reforça” de modo fictício em outdoors, na boca de outras pessoas (artistas, intelectuais, pastores, padres…), gerando a sensação de realidade. O mesmo pode ocorrer com nossos objetivos: eles podem ser parte de uma trama fictícia – não necessariamente má, em si. Neste momento, por exemplo, há pessoas quebrando a cabeça, verdadeiros “heróis” tentando achar a vacina para o COVID19, para que todos possam retomar suas vidas, uns mais, outros menos. Mas veja que interessante: foram nós, humanos, que, em primeiro lugar, provocamos a própria doença, no sentido de que princípios ecológicos foram corrompidos, permitindo o salto e a circulação humana do vírus. Sempre foi assim: a civilização cresce, interfere na ecologia, provoca uma catástrofe, aí cria seus próprios mecanismos, sofisticadíssimos, diga-se de passagem, para combater algo que ela própria criou. E já pensou na motivação desses cientistas? Se for um norte-americano, então, ele estará simplesmente fascinado e miticamente jubilante por estar “fazendo história”, por estar num dos “maiores países do mundo”, etc., etc., etc. Os EUA são, aliás, a terra da motivação, da orientação por objetivos, do pensamento pragmático, da tecnologia, do dinheiro, da sofisticação inacreditável da espécie humana moderna. Quer dizer, há muita narrativa, muita lenha para a imaginação ali (e, pela via das redes e telas, para todo o resto do mundo…é surreal como todo lugar do mundo discute as eleições americanas e as coisas deles, etc.).

A resposta para a questão acima, sobre se é possível ter motivação sem objetivo, penso eu, tem a ver com nossa concepção de liberdade. É livre quem cresce ouvindo que precisa ser alguém, alcançar objetivos, se tornar um doutor, um empreendedor, etc.? É livre quem, como diria Dejours, “tem motivação”, em vez de desejo? A liberdade humana depende de entendermos as causas, e em nos tornarmos causas de nossas próprias vidas. Tornar-se causa de sua própria vida é descobrir a verdade sobre você, sobre onde você está, sobre quem você é, e sobre os outros. A liberdade consiste em reencontrarmos com nossa própria natureza, que não necessariamente vibra na mesma sintonia que a de outras pessoas. Mas aí finalizo com o seguinte: criamos nossos aparatos imaginativos para justamente evitarmos de nos confrontar com nós mesmos. É um mal necessário, alguém poderia dizer.

Post escrito inspirado em Espinosa.

Você nunca fará algo notável + Você não existe

Incríveis!

Sistema operacional

De que você precisa para ‘rodar’ sua vida normalmente, quer dizer, para tocar as suas responsabilidades cotidianas, inclusive as envolvidas em sua sobrevivência? Talvez na resposta a esta questão resida uma linha divisória entre crianças e adultos. Pois a criança se orienta por um tipo muito particular de pensamento mágico, em que as coisas simplesmente acontecem, como num filme da Dysney.

Usemos uma metáfora. Considere um computador que ‘roda’ windows. De que ele necessita para ser ‘operacional’? Ele necessita de um sistema operacional: DOS? Sem algum pacote mínimo de arquivos .dll (não tenho certeza se é isto mesmo, enfim) seu computador não liga, não avança para além daquela tela azul.

Imagine agora que você tenha uma casa. E que você decida mudar, livrando-se de tudo. Então, obviamente, você precisa de outra casa. Você já pensou no quanto sua vida se desorganiza quando você se muda e ‘reseta’ completamente o sistema de memórias ou “caches” que estavam lá armazenadas e que, por se basearem em caminhos repetitivos, simplesmente os memorizava e partia para o resultado desejado? Acho que até crianças vivem isso.

Nietzsche disse algo mais ou menos assim: primeiro, descubra o que você necessita; só então ame o que você necessia. Ou algo assim. Quer dizer, ame apenas aquilo que você realmente precisa para viver. E aqui vai o milagre da coisa toda: não necessariamente é muito. Vamos pensar numa bobagem: você tem a sua cozinha (assumindo que você cozinhe, o que penso ser um aspecto essencial para ser um adulto). Você obviamente gosta de comer um prato X. Mas você já pensou sobre quais objetos você precisa para ‘rodar’ o processo que levará à elaboração desse prato X?

Fiquei pensando sobre isso quando, por razões variadas, tive de mudar, me instalar; mudar de novo e ter de me instalar mais uma vez. Aí vem a questão: preciso comprar coisas. E então: afora o básico (geladeira, fogão, etc.), de que mais eu preciso para ‘rodar’ aspectos até certo ponto rotineiros e básicos ou ‘fundantes’ do meu cotidiano?

E não é tão simples, pois você tem certos hábitos, rituais, manias ou o que quer que seja. Você tinha, digamos, uma cadeira que dava certinho para seus estudos. Uma mesa de trabalho. Então, você está na estaca zero. Aí você se pergunta: bom, vou tentar reconstruir o que eu tinha, como se estivesse visceralmente agarrado àquilo, ou vou experimentar coisas novas, eventualmente descobrindo novos gostos, prazeres, e eventualmente rotinas?

Outro filósofo, Heidegger, ao discutir a tecnologia ou o mundo dos objetos, destacava que não nos damos conta dos objetos cotidianos que estão sempre aí, à mão; só percebemos o quanto dele dependíamos quando eles quebram ou…nós nos mudamos, vendemos ou damos tudo, e então ficamos ‘soltos’, por assim dizer, na vida cotidiana. Sim, nossa vida é o cotidiano!

Então, volto à questão: qual seu ‘sistema operacional básico’? Vou dar um exemplo. Sei que é bobo, mas, como talvez tudo que pertença ao cotidiano, assim seja: panela. Talvez você possa dizer que isso é sinal de que já virei o triângulo das bermudas entre a adolescência (óbvio, tenho 44), do jovem adulto (óbvio, tenho 44), e já entrando na ‘velhice’, quando certas coisas por detrás das cortinas começam a ser muito importantes para determinar sua ‘qualidade de vida’ (terrível expressão, mas vamos dizer que ajude por simplificar). Então, se eu não tenho minhas panelas, poxa, a coisa complica. Outro exemplo: travesseiros (um grande, um médio, um pequeno – ok, aqui já me entreguei e agora você sabe que posso ser um obsessivo, rs.). Pilha para o mouse do computador. Lixo para a pia da cozinha (você acha que um adolescente se preocuparia com isso?).

Mas a lista se expande, incluindo outras coisas. Como disse, nada muito complexo, mas sim estratégico. Então, quando você se muda, muda, muda., você começa a se perguntar: estava eu muito preso a uma rotina de ‘velho’ e por demais habituado a ela, fazendo dela minha ‘zona de conforto’? Esta é uma questão. A outra é: pelos objetos de que necessito, tipo de moradia, etc., eu posso descobrir muitas coisas sobre mim mesmo, sobre minha personalidade, minha ‘classe social’, etc. Este é outro ponto. E tem por fim a necessidade de uma lista: o que preciso comprar, onde, quanto vai custar, etc. Alguém fez isso por mim no passado (remoto: minha mãe; menos remoto: minha ex-mulher). No mais, ao vivermos vamos acumulando coisas, e tais coisas, que podiam ter sido adquiridas aleatoriamente no início, se encaixam num certo ritual, e então, quando tiradas de você, você nota que está de novo ‘in the wild’.

Eu sei que, afora tudo isso, em algum nível eu busco me justificar, para não fazer ‘o que eu tenho de fazer’ (meus projetos “transcendentes”, etc.). Se falta um lixo de cozinha, não consigo me concentrar em meus projetos transcendentes. Fuga? Ou uma brecha de meu inconsciente a me mostrar que, no fundo, não há projeto transcendente coisa alguma, e que o importante é garantir algum conforto psicológico e físico com um lixo de cozinha? A pensar.

Um comentário final aleatório, na verdade uma lembrança: estava eu num vôo. Momento do embarque, malas, etc. Chega uma moça atrasada. E procura lugar para colocar sua mala, encontra, senta-se, totalmente esbarofida, a meu lado. Problema: deu-se conta de que havia perdido uma pulserinha de prata. Grita para a irmã na fileira da frente: você pegou minha pulseira? E, durante quase todo o vôo de 3h ela fica inquieta. Disponho-me a ajudar a procurar: talvez tenha caído no assoalho da poltrona de trás? Não teria colocado em outra bagagem? Não teria derrubado em outro momento? Etc. Não adiantou. Ali, nada mais parecia importar para ela, exceto a possibilidade de ter perdido a pulseirinha. Mesquinharia de não querer perder nada (pois o medo, na verdade o terror, de muita gente é em perder, em sair no prejuízo, em se dar mal até nas coisas mais ridículas), ou o medo de que, ao perder a pulserinha (se é que perdeu), ela perdeu alguma coisa de que nem saiba direito o que seja? Ao aterrizar, ela logo encontra sinal de serviço de telefonia, e telefona para seu marido, namorado, não sei: não prestei atenção no que ela disse, só flagei o nome do contato: baby boy. Estaríamos todos viajando, com essa sensação de terror ao ‘perder’ algo, e, assim que o sinal nos conecta novamente a uma ‘rede’, nos lançamos ávidos para falar, nos conectar, com um ser que, por razões variadas, é o depositário de nossa ilusão (Freud), isto é, nosso ‘porto seguro’ que nos acalma pela pulseira perdida? A pulseira…apenas um ícone de algo muito maior, muito mais profundo.

2020, EUA; 2022, Brazil

Quando losers e suckers são mandados para o último estágio de suas atuações, quando a comédia estava a um ponto de virar drama. Figurinhas sem alma, manipuladores sem compaixão, mentirosos com hálito podre. O melhor lugar para essas aberrações, sem dúvida, é dentro de um foguete, pode ser da SpaceX, indo feliz e irreversível para o infinito, onde estarão condenados ao inferno que é suas bocas falantes, cansativas, postulentas. Mas o pior está aí: são os pequenos, os mesquinhos e os seres sem almas (“Almas mortas”) que dão a esses indivíduos a impressão de que são grandes e importantes. Até porque, as massas se orientam por paixões. E, por mais que haja romantismo, o fato é que as pessoas são mais simples do que supomos em nossos modelos ou teorizações sobre “subjetividade”, etc. As pessoas operam com base em pouca informação correta, o que abre espaço para preenchimentos emocionais, e emoções podem se desconectar da racionalidade. Pois, no fundo, a racionalidade e algo chato (por exemplo, nos debates presidenciais americanos, um candidato, por exemplo Lincoln, falava 7 horas seguidas, expondo ideias etc). Na sociedade do espetáculo, o que conta é a performance emocional. Esses líderes, como o laranja ponder que caiu da árvore tarde, são rabiscos em um quadro negro do demônio, o cínico por excelência, a inteligência a serviço de um único objetivo: aproveitar, lucrar (com almas, dinheiro, importância, etc.) com as lacunas profundas da existência.

Propósito

Há algum tempo atrás, o que hoje conhecemos pela China como primeira economia mundial não era senão um vislumbre por algum conjunto específico de pessoas. Porém, sem tal vislumbre, provavelmente aquele país ainda estaria onde estava. Eu sei que há uma distância enorme entre pessoas e países (!), mas um aspecto queria comentar: sem uma visão, não se chega a lugar algum.

Ok, você pode dizer que essa é uma conversa batida. De fato, orientadores de carreira não cansam de dizer isso: se você quer alcançar algo, você precisa, antes de mais nada, saber que diabos tal “algo” é. Se ele vai se materializar ou não, esta é outra estória: dependerá de circunstâncias que podem fugir do controle da pessoa.

Mas vamos tentar aproveitar essa ideia: a de ter um vislumbre como fator condutor e mesmo como suporte de um propósito. O vislumbre é isso: uma vaga impressão, por vezes até mesmo afetiva, acerca de alguma convergência no futuro. Convergência em torno de um estado de ser, uma posição financeira (mais comum), ou, o que quero debater a seguir, uma posição de pessoa.

Uma pessoa, na sua vida cotidiana, poderia orientar-se por um vislumbre acerca de quem ela pensa que é, ou, especialmente, gostaria de ser? Aqui também a experiência é importante: sabemos que o que os outro pensam de nós é, em parte, independente de qualquer coisa que façamos. Alguma outra parte, porém, depende, sim, do que fazemos.

Por alguma razão, falar em “agenda oculta” é algo pejorativo. Quer dizer, quando alguém percebe que o outro está se orientando por algum objetivo e que, por tal objetivo, ele chega até mesmo a “manipular” os outros, a impressão não é a das melhores. Esse outro pode ser visto como falso, superificial, manipulador, etc.

Porém, e se, na nossa vida cotidiana, nos orientamos por algum tipo de vislumbre, ou princípio? Claro que, a depender das circunstâncias, ajustamos nossa conduta; porém, como você sabe em que base você se posiciona num grupo? Por que você conclui as coisas que conclui, se é que o faz; ou por que fica calado, em vez de se expressar? Em que base seu comportamento é mais ou menos organizado?

Acho que as pessoas podem até nos detestar, mas o farão muito mais pelo que não dizemos do que pelo que dizemos claramente, por mais que destoemos de algumas circunstâncias. Pois o vislumbre que temos sobre nossa posição de pessoa no futuro, ou mesmo no presente, daria uma coerência mínima em nossos posicionamentos. Não haveria sequer problema em revelar nossa agenda oculta, caso, e isso é importante, tal agenda não tenha a ver, de fato, com manipular pessoas para se alcançar objetivos exclusivamente pessoais, no plano econômico, nas esferas de poder em geral – o que é, podemos dizer, uma forma pura de corrupção.

Por outro lado, somos, sim, uma persona. Nosso silêncio, como no filme de mesmo nome, pode propiciar a criação de significados por parte do outro. Mas, ao enunciarmos nossas premissas, não penso que vamos ser tomados como corruptos, no sentido que sugeri a pouco. O ponto é, então, o seguinte: qual é, afinal, tal vislumbre? Qual nossa “ideologia”? Como chegar a isso? Conhecendo nosso desejo? Projetando uma imagem e acreditando nela? Mais ou menos trabalhando sobre uma imagem a ser, cuidadosamente, apresentada ao outro, dentro daquela parte que cabe a nós no processo de influenciação social?

Talvez uma sugestão seja começar pequeno. Por exemplo, em que você, de fato, acredita hoje? Você consegue se comprometer com isso? Pois onde estiver sua atenção, ali estará seu “verdadeiro eu” e, como tal, ali estará, seja por ação, ou, principalmente, omissão, seu centro de gravidade. Ou não conhecemos, ou temos medo desse centro de gravidade. Temos medo de nos afiançarmos nele para “darmos as caras” no mundo.

Acho que o conceito de ilusão do Freud é muito interessante. Se não pensarmos de modo “positivista”, em que há verdade x falsidade, a ilusão se aproxima da ideia de vislumbre. A ilusão comporta duas faces: de um lado, pode trazer conforto (como na crença religiosa, de que um pai olha por nós do além); de outro, terror – sendo este a face mais promissora: terror porque a ilusão pode não ter nenhum, repito nenhum!, contraponto (por exemplo, a “verdade”). A ilusão é como a experiência da fé: jogar-se no escuro, de peito aberto, com amor fati, venha o que vier, e sem arrependimento algum, seja qual for o resultado, mesmo a vida sendo uma só e o bem mais valioso. O vislumbre pode ser de mesma natureza: um salto no escuro, com um sentimento similar à angústia ou temor de Kierkegaard. Mas, na tentativa de fugir a esse temor, abrimos mão de nos colocarmos diante do mundo a partir de um vislumbre que fala a nosso coração.

Minimalistas seguros

The real damage is done by those millions who want to “survive.” The honest men who just want to be left in peace. Those who don’t want their little lives disturbed by anything bigger than themselves. Those with no sides and no causes. Those who won’t take measure of their own strength, for fear of antagonizing their own weakness. Those who don’t like to make waves — or enemies. Those for whom freedom, honor, truth, and principles are only literature. Those who live small, mate small, die small. It’s the reductionist approach to life: if you keep it small, you’ll keep it under control. If you don’t make any noise, the bogeyman won’t find you. But it’s all an illusion, because they die too, those people who roll up their spirits into tiny little balls so as to be safe. Safe?! From what? Life is always on the edge of death; narrow streets lead to the same place as wide avenues, and a little candle burns itself out just like a flaming torch does. I choose my own way to burn.

[O verdadeiro dano é causado pelos milhões que querem “sobreviver”. O homem honesto só quer ser deixado em paz. Por aqueles que não querem que suas vidinhas sejam perturbadas por nada maior que eles mesmos. Por aqueles que não tomam partido, nem abraçam causas. Por aqueles que não querem saber o tamanho de sua própria força, com medo de antagonizarem sua própria fraqueza. Por aqueles que não querem causar problemas — ou fazer inimigos. Por aqueles para quem liberdade, honra, verdade e princípios são apenas papo-furado. Por aqueles que têm vidas pequenas, relacionamentos pequenos, mortes pequenas. É a abordagem reducionista da vida: se você mantem tudo pequeno, você vai ter tudo sob controle. Se você não fizer nenhum barulho, então o bicho-papão não vai te pegar. Mas tudo isso é ilusão, pois elas também morrem, essas pessoas que envelopam seus espíritos em minúsculas bolas a fim de se sentirem seguras. Seguras?! Contra o quê? A vida está sempre às voltas com a morte; ruas estreitas levam ao mesmo destino que grandes avenidas, e a chama de uma vela se extingue da mesma forma que a de uma tocha. Eu escolho meu próprio jeito de queimar.]

Sophie Scholl

Fragmentos dispersos, 4

A. Li uma frase, escrita por uma autora francesa de cujo nome agora não me lembro. Era mais ou menos assim: quem sabe, faz; quem não sabe, ensina. Quem não sabe ensinar, ensina professores a ensinar. E quem não sabe ensinar a ensinar, então se torna político.

B. Quando não estamos muito certos de nosso desempenho, então corremos logo aos outros para pedir uma opinião. Às vezes, o ato de pedir tal opinião nos engana, nos dando a sensação de que estamos fazendo algo, em vez de estarmos centrados sobre nós mesmos tentando obter nossa própria excelência, em nossos termos, com o que podemos e dispomos. Quando, por outro lado, você estuda ou se prepara de verdade, então, nestas horas, você não sente tanta necessidade de recorrer às opiniões alheias. Você sabe, no seu íntimo, que seu desempenho está excelente, pois, também no seu íntimo, você tem plena e total capacidade de avaliar seu próprio desempenho, de ficar diante dele e não sentir vergonha. Mas você só consegue isso sendo sincero e, mais do que isso, sendo, paradoxalmente!, muito competente.

C. Fazia algum tempo que não assistia a série Room 104. Minha assiduidade ficou intermitente, pois, nestas últimas temporadas, às vezes é preciso passar vários episódios para achar algum realmente bom – claro, de acordo com meu gosto para séries, etc. Eis que achei um dos melhores até aqui. O título é “The hikers” (S4E6).

Duas amigas se hospedam no quarto durante o que parece ser o primeiro dia de uma sequências de três meses de caminhadas/trilhas. Uma das moças descobre que havia uma pedra no seu sapato, com a qual ela fez a trilha e acabou conseguindo uma bolha dolorida. A amiga, de quem até então não sabíamos nada, exceto que parecia um pouco “forçada”, prepara um banho com sais para que o pé da outra melhorasse. Tudo parecia muito bem, até o momento em que a moça com o pé machucado descobre que, na verdade, a pedra havia sido supostamente colocada pela amiga. Quando questionada, esta diz, numa imensa simulação, que havia feito isso para estimular a amiga a resistir, a ser forte, etc. Vendo que isso era obviamente mentira, a amiga do pé machucado coloca a outra contra a parede e esta, então, assume que havia colocado a pedra (ou dá a entender; afinal, ela carregava na bolsa um saco de pedrinhas!). O real motivo? Porque ela não suportava ver a amiga, que era obesa, passar pelo, segundo ela, vexame de não conseguir terminar esses três meses de caminhada.

Pois bem, o que vemos a partir daí é uma coisa que, honestamente, me fez ficar pasmo pela truculência de sinceridade (necessária, no caso): a amiga “magra” (e “bonita”) não suportava a outra amiga “gordinha, feia, nojenta”, nas palavras dela. No fundo, não conseguia se conformar (a inveja era grande) com o fato de que essa amiga estava de boa com o corpo dela, e, conforme revelou, se sentia feliz, prestes a iniciar em um novo trabalho, etc.

Há mais detalhes, mas o ponto central parece ser: o que faz uma pessoa nossa amiga? Quais as chances de vivermos em nossas amizades (de infância, profundas, de longa data, ou novas amizades, etc. etc.) sobre uma imensa camada de mentiras, simulações, em que o suposto amigo faz coisas pensando em nosso “bem” quando, na verdade, ele está apenas pensando nele próprio (e por vezes nem perceber isso ele percebe)? Quantas pedras são colocadas em nossos sapatos por aqueles que se dizem nossos melhores e mais devotos amigos? Como sabemos que nossos amigos, ou nós mesmos, somos verdadeiramente honestos uns com os outros, ou mesmo sobre as consequências de sermos honestos, falando olho-no-olho, cara-a-cara?

A verdadeira amizade, dizia Aristóteles, só ocorre entre iguais. Aceitar nossos amigos por aquilo que eles são, e não por aquilo que projetamos neles, ou pelo uso que deles fazemos (“Ah, meu amigo é muito influente”; “Ah, sou amigo da elite”; “Ah, meus amigos são todos lindos e inteligentes”, etc., etc.) para resolver problemas que são, no fundo, nossos (como o da personagem que não conseguia se sentir confortável em sua própria pele, sendo doentiamente dependente da percepção dos outros sobre ela).

Sobre a camada aparente, superficial, de amizades, pode se esconder um pântano de mesquinharias, veleidades, competição, cinismo, inveja, soberba… . E faz parte da amizade, eu acho, reconhecer tudo isso, se for o caso, e, como no episódio, terminar por se inverter o quadro, quando a amiga do pé machucado oferece um banho de sal para a outra amiga, vendo o colapso desta. Se após isso será possível ou não seguir com a amizade (já parou para pensar em momentos de pura honestidade com outra pessoa, o que isso provocou em vocês?), só os afetos e nossas intuições dirão. Mas com certeza o mundo seria um lugar melhor se as amizades fossem desinteressadas. E se amássemos o que temos (nossos amigos por aquilo que eles são), e não o que gostaríamos de ter (um amigo “bonito” porque quero me sentir assim; ou um amigo “feio” porque preciso me afirmar contra esse pano de fundo. Seria pedir muito da subjetividade humana, senhor Freud?).

D. Esse episódio do Room 104 fez vir mais uma vez para a superfície algo que um amigo meu do passado, o MCS, me disse certa vez, enquanto jantávamos em nosso apartamento compartilhado à época: que ele queria uma mulher que o amasse pelo que ele era. Ele não disse dessa forma, e nem sei mais o que é minha memória ou realidade. Era algo mais ou menos assim: as pessoas às vezes nos amam não pela nossa singularidade, mas por aquilo que representamos.

Eu sei que talvez isso seja algum tipo de romantismo individualista, mas nunca esta reflexão me saiu da cabeça. Talvez seja com ela que eu tenha reagido ao episódio da série que acabo de descrever. Pois vamos lá: suponhamos que eu tenha a profissão X, e, dentro dela, eu tenha a hierarquia X”n”, dentro de esquemas de valores da instituição em que trabalho. Alguém pode “gostar” de mim por conta justamente disso, dessa camada que, no fundo, não diz talvez sobre quem eu seja – ou melhor, sobre o que eu poderia ser se se lançassem a contruir algo comigo, tentando não se deixar determinar tanto pelo lugar que ocupo numa hierarquia simbólica qualquer.

Meu amigo usava outras expressões. Ele me dizia: alguém pode amar o “homem” (genérico), e não o “homem MCS”. O homem pode desejar se casar com uma mulher, por exemplo, mas não necessariamente com a mulher +/**@, com suas características absolutamente singulares. Não à toa, temos por aí muitos filmes que tratam disso, como quando certos personagens não revelam sua verdadeira “identidade social” (invariavelmente, rico, etc.), sugerindo que fulano ou fulana se apaixonou de fato por aquilo que o outro era, sem ser afetado/a pelos papéis sociais alocados sobre aquela pessoa.

Admito, mais uma vez, que tudo isso possa ser romantismo idealizado. Dificilmente vamos encontrar uma pessoa da “elite” fazendo amizades com pessoas “de baixo”, só para usar um exemplo bastante corriqueiro (o amor é um afeto sujeito a socialização e, como as coisas andam hoje em dia, sujeito a muito controle e produção forçada). Gostamos, em geral, de nos gabarmos de termos amigos bem situados, mesmo que o “bem situado” seja alguém que tem 5 pares de sapato, enquanto a maioria das outras pessoas anda descalça, etc. Nos apaixonamos por miragens, papéis, e em certo ponto não sabemos mais o que é o que, tamanho nosso envolvimento na coisa toda. Afinal, se pode dizer, dá muito trabalho conhecer verdadeiramente outra pessoa. Ou, ainda pior, paira aquela dúvida sobre se de fato a outra pessoa é assim tão singular a ponto de ter alguma coisa muito inédita sobre ela e que me faria me apaixonar.

Pode-se por aí dizer que nos apaixonamos por “traços” que identificamos no outro, como diria Lacan, mas mesmo tais traços não têm a ver com a singularidade total do outro, mas sim com algo sobre o que imaginamos a possibilidade de recuperação de um “elo perdido” em nosso passado, na nossa história, ou mesmo no nosso inconsciente. Mas claro que tais traços podem ser apenas vislumbres vazios, no bom sentido, que têm a finalidade de nos cativar o olhar e então de nos lançar no mistério da singularidade do outro.

A bem da verdade, seríamos assim tão massificados, tão previsíveis, amando o que todo mundo ama, com as mesmas cores e sabores? Se tomarmos outro conceito lacaniano, o de “semblante”, então as coisas se complicam ainda mais, muito embora continue achando que um dos atributos da singularidade é, paradoxalmente, o fato de ela não existir – quer dizer, ao nos lançarmos na direção do outro, mesmo que movidos pelo ‘semblante’ desse outro, não sabemos o que vamos ali encontrar, até porque não há nada para encontrar. Se fôssemos pensar a fundo, chegaríamos a uma conclusão meio trágica: a de que nos relacionamos no vazio. De novo com Lacan: não há comunicação (no sentido de que todos se entendem quanto ao que cada um ‘realmente é’ e deseja).

Impressionado!

Primeiro, meio sem querer, assisti o filme

Fiquei com a pulga atrás da orelha. Depois, descubro que foi baseado num livro. Não conhecia o autor. Tenho de admitir que fiquei impressionado. Talvez um dos melhores livros de ficção que li este ano. Vi que o autor tem outros livros. Espero fazer um post detalhado sobre isso no futuro, após digerir as ressonâncias provocadas por ambos, especialmente o livro.

Médico ou marketeiro?

O exemplo não se aplica apenas a médicos, mas vou usá-los como bode expiatório.

Acho que foi por volta dos anos 1990 que ocorreu o que ‘marketeiros’ (!) chamam de virada em direção ao cliente. A partir de certo ponto, tudo virou ‘estratégia’, e não bastava, apenas, investir nos saberes técnicos, mas fazer com que as habilidades de comunicação fossem incluídas como ‘competências técnicas’, ao menos em um sentido ampliado.

Ok. Se pensarmos naquele médico (todo mundo mais velho deve ter um exemplo disto!) bruto, que mal olha para o rosto do paciente, e que se limita a prescrever uma receita ou balbuciar algo intelegível, estamos em melhores condições, hoje.

Mas, talvez tenhamos ido longe demais, faltando aí uma calibragem. Em certos momentos, fico com dúvida se médicos estão estudando medicina ou publicidade e propaganda. Ou então um tipo de psicologia estriônica, em que você precisa colocar um ‘post it’ na parede em sua frente para sempre se lembrar de ‘ser gentil’ e ‘comunicativo’.

Seria preciso realizar um experimento, talvez. No grupo controle, temos pessoas que recebem atendimento de um médico “às antigas”; noutro, no grupo experimental, pessoas que recebem um atendimento mercadológico, por assim dizer: “Olá, sou o doutor Pipeto, e a partir de agora vou estar te atendendo, etc.”. O tal médico bruto, no grupo controle, é, em compensação, um House disfarçado, sabe de tudo, um fodão, como se diz em linguajar eclesiástico. O outro, um médico que, no passado, foi um estudante medíocre, talvez muito mais preocupado em ser ‘doutor’ do que em entender como desenvolver, cuidar e manter um corpo vivo.

Adivinha? Se aplicássemos uma escala (também um fetiche de nossa cultura do marketing) de satisfação, em qual situação você acha que haveria um maior índice de aprovação, etc.? A ver.

Então, o médico-publicitário vem até você, com aquela cara de paciência e ‘compreensão’, para tentar te ‘patronizar’ (veja a expressão em inglês, to patronize; muito boa), explicando, ‘didaticamente’, o problema com seu corpo ou com o corpo de seu animal de estimação (veja post mais abaixo aqui). E aí você é banhado com os frutos suculentos da cultura da “popularização científica”. Afinal, de fato termos médicos são de acesso difícil – por que somos tão classistas? Porque somos uma cultura de iletrados. Só para te dar um exemplo: imagine aí um lacaniano tentando ‘simplificar’ seus conceitos! Conceitos científicos são popularizados até certo ponto!

Enfim, e você fica com cara de que entendeu, e o doutor-publicidade fica satisfeito consigo mesmo por ter sido tão ‘digno’ de se ‘rebaixar’ ao nível do ‘leigo’ para explicar algo que, para começo de conversa, nem o tal doutor pode entender a fundo. É uma loucura, uma cacofonia, se você pensar – ou seja (popularizando): uma farsa.

O que fazer, então? Voltar à cultura do bronco, do doutor-sabe-tudo-e-eu-obedeço? Lógico que não. Mas, ao perder o equilíbrio, a justa medida como se diz, a gente acaba indo parar no extremo oposto: de um lado, o bronco estúpido; de outro, o marketeiro que sabe mais como agradar o cliente do que em colocar a mão na massa e salvar vidas. No meio disso tudo, temos os Dr. House, mas sem a arrogância (ok, até que justificada, no contexto). Quem sabe, faz; pois, no fim do dia, é o fazer que decide.

Ah, se quer ver a coisa melhor, procure aí no Google uma reportagem sobre “doutor, não; mas influenciador”. Ou algo assim. Aí, sente e comece a se preocupar.

Fragilidade

Queria ter uma inspiração genuína, pois o que me leva a escrever é muito mais uma projeção no tempo, quando eu voltar a este post, neste dia, 20 de agosto de 2020. Mas, para minha surpresa, estou sem essa inspiração. Queria, de verdade, escrever para um ser imaginário, que me deixou. Um ser que me compreendia dentro das possibilidades dele. E que me esperava. Acho que há isso; ao pensar nisso meus olhos começam a dar sinais de um turbilhão esquisito que se forma, se vai, se mistura. É como se eu estivesse procurando um fio puro de água, mas logo ele se mistura com barro, água suja, e já não é mais possível discernir. Ao pensar num reencontro que não acontecerá jamais, eu sinto, talvez pela primeira vez na vida, essa sensação concreta, real, de perda em forma de suspensão, de gesto não realizado, de poder ser, mas que não foi e não será jamais. Não acho que eu saiba envelhecer. Pois supostamente, ao envelhecer, vamos acumulando esse tipo de coisa. Não sei. Também não é nada cinematográfico, digo, não é algo que estou aqui escrevendo porque, inconscientemente, a coisa ficou gravada em mim ao ver algum filme ou ao participar da cultura cotidiana. Não, estou sentindo, concretamente, essa perda de um momento futuro. Outra coisa que queria captar genuinamente em meus sentimentos no momento é o que mais esse ser que perdi hoje gostaria de mim. Ou, voltando a mim, o que eu gostaria de realizar com ele. A morte, o que sei da morte? Só sei que eu a temo, mas não sei o que há nela que temo, talvez a fragilidade de tudo isso. Eu sinto como se tivesse perdido um pequeno, não, um minúsculo pedaço de delicadeza, verdadeira delicadeza (mas que sempre ‘pensou’ o contrário!). Acho que entendo o que significa ter um filho; imagino a sensação. Você contempla aquele ser, ainda mais se ele for pequeno, e você como que sente, você sente nas vísceras, que tudo é imensamente frágil, e, sei lá, justamente por ser frágil é atraente, comovente, condição para tudo o mais, para você sentir alguma forma de amor e de temor, como se as duas coisas fossem uma coisa só. Não sei, aqui já estou (mesmo sem escrever), deixando alguns jargões que li superficialmente da psicanálise. A tal projeção do ideal de eu ou eu ideal num objeto externo ao eu, etc. Mas há a fragilidade, há seres frágeis, minúsculos. E se formos pensar, se formos observar, estes seres estão à nossa volta em uma quantidade tão absurda, que só a consideração disso pode gerar vertigem. E há também o contraste e a contradição. Você contrasta o ser frágil com estruturas ‘perversas’ ou frias que estão ali para te assistir de algum modo, ou simplesmente estão ali fora, no ‘mundo dos adultos’. O mundo dos adultos se choca com esse pedacinho de fragilidade que você escolhe, ou acaba sendo envolvido com, para representar a ligação entre o vivo e o morto, o fazer ou não fazer, o útil e o inútil, o belo e o feio, etc. E contradição porque, ao olhar para uma fragilidade em particular, você sequer imagina que essa mesma fragilidade pode, ela própria, viver às custas de destruição de outros seres frágeis. Novamente, eu tenho vertigens, e sei que estou perdendo o contato com algum real (não com a realidade, pois a realidade é, ela própria, cheia de furos). Por fim, há as contradições, as ambivalências, da morte e do luto. Você saber que amava, mas você saber (e isso dói, como culpa muito estranha) que você continua em funcionamento sem o ser amado, que logo será coberto pela poeira da sua história pessoal. Um ser frágil, um mundo de coisas. O corpo inerte no chão indiferente, enquanto coisas ‘sérias’ acontecem em cada lugar, e você também se culpa e se castra por esquecer o resto do mundo, e fazer o seu mundo e aquele momento a única coisa que importa. A culpa por coisas feitas contra o outro ser, aqui e ali, e a consciência de que o momento da morte é uma imensa lupa que intensifica apenas certas facetas do fenômeno. A culpa, a auto-recriminação, a eventual ‘desconexão’ da realidade. E a pergunta: por que, por que faço o que faço? Sou apenas um corpo vivo, sendo estufado pelas fantasias dos outros? Não sou mais do que um narcisista projetivo? O que é isso que aconteceu? Que mundo é esse em que vivo? A fragilidade, e a perda de algo, de algo (me esforço para nã opensar em Luto e Melancolia). O ódio contra tudo e todos, a guerra perpétua, o demônio com a metralhadora livre, e aquele ser e corpo a te lembrar, a te questionar em silêncio, sem saber de nada, apenas colocado em alguma engrenagem, e, como eu, até então respirando e sendo alguma coisa viva neste planeta. A vida crua, e os discursos, os erros, os acertos, as narrativas. E o fim, pois tudo tem um fim.

Bentha
27.08.2007, São Paulo
20.08.2020, Campinas

Confiança

Foi Anthony Giddens quem escreveu há algum tempo que, nas sociedades modernas, a base da confiança nos sistemas técnico-profissionais é o que de certa forma sustenta a possibilidade de viver em ambientes complexos como os que vivemos hoje.

Se preciso comer, não sou eu quem produz a comida, mas um imenso sistema que, a depender da cadeia, é algo gigantesco. E essa cadeia é sensível – veja-se o episódio recente do corona-vírus, que ameaçou paralisar muitas cadeias produtivas, e o fez de fato em vários lugares. No Brasil, recentemente, tivemos a greve dos caminhoneiros, e todos sentiram o impacto. Se preciso viajar, não conheço o piloto ou o motorista. Em ambos esses casos, preciso confiar. E se trata de uma confiança empiricamente cega, pois você não pode fazer uma entrevista “baseada em competências” ou ler o “currículo” da pessoa. Você deve confiar que alguém fez isso, e que a pessoa que ali está fazendo o que ela é suposta fazer só está fazendo isso porque, em algum nível, se sente (ou se ilude) preparada.

Imagine algo ou alguém que você ama muito. A quem você confia essa pessoa, no caso de ela precisar por alguma situação de saúde? A médicos, clínicas, ambulatórios, hospitais – todos eles formando sistemas complexos, enormes, combinando frentes comercial e profissional, econômica e científica. Você pode tentar minimizar seus problemas de confiança nesses casos ao pedir uma indicação, ou então se deixar levar por sistemas de propaganda e modelagem de impressões, cuja função é criar uma “sensação de segurança” e fazer você entregar (ou se entregar, pois isso também se aplica a cada um de nós e não apenas aos que amamos) o destino da pessoa ou seu nas mãos de outros, na mão do sistema. Não, neste caso a palavra sistema não é metafórica, é profundamente real e condiciona comportamentos e resultados práticos.

Há tudo isso, ok. Mas existe também outro ponto, digamos mais psicológico. Confiar em alguém implica, figurativa ou concretamente, entregar-se. Baixar as guardas. Pois não é possível seguir a vida, especialmente em momentos de dificuldade, quando vivenciamos frontalmente nossas fragilidades como indivíduos. O indivíduo não é onipotente, claro que não: ele pensa que é, e vai sendo provisoriamente confirmado nisso pela própria saúde (se for jovem) e pelo ganho financeiro (se for “bem-sucedido”). Ter dinheiro, aliás, é uma forma moderna, impessoal (diria até transpessoal), de mediar situações de entrega de si ou de seus amados aos sistemas peritos (acho que essa era a expressão usada por Giddens). O dinheiro compra “os melhores”, e os melhores não são baratos, e nem deveriam ser.

Em um nível ainda mais subjetivo, a confiança implica em algum grau de atenuação, de esgarçamento, da função crítica e inquisitiva. Você pode, ou mesmo deve, questionar a qual médico ou veterinário (minha experiência atual, apenas para contextualizar) confiar seu ente querido ou você mesmo. Mas, isso não pode ser levado ao infinito, do contrário você corre o risco de paralisar toda a cadeia da entrega e do dispositivo institucional colocado ao serviço de algum resultado (saúde, lucro, etc.).

A crítica implacável, a busca insaciável por encontrar defeitos, por apontar brechas e incoerências, incompetências e erros, nas ações daqueles formalmente responsáveis por um ente querido ou mesmo nós próprios, serve apenas para nos enganar, nos dando a sensação de que estamos no controle, de que “existe a combinação perfeita” de recursos e pessoas que faria com que seu problema fosse resolvido. Essa crítica implacável culmina em fobias, em distanciamento, em impossibilidade de convivência, em guerra perpétua, em infinita crise interna e externa de você consigo e você com os outros. As coisas fluem com dificuldade, você não consegue confiar, e se o resultado ocorre de ser negativo contra você e seus interesses, então isso alimenta a crença de que, de fato, você não deveria ter confiado, e de que, no limite, você só confia em você mesmo – até certo ponto, pelo menos, pois você, pela complexidade do mundo contemporâneo e da disseminação (quase total) dos sistemas peritos, não conseguirá tocar sozinho.

É como se você se transformasse numa daquelas pessoas que ficam treinando para o fim do mundo, quando tudo desmoronar, quando não sobrar nada exceto você, suas competências e sua capacidade de sobreviver, fazendo não importa o que para proteger suas coisas e seus entes queridos. Como nesse filme recente, O declínio.

Confiar é se entregar, não se abandonar nas mãos dos sistemas peritos. Isso seria irresponsabilidade. Confiar é parar, por algum momento que seja, de tentar enxergar por detrás das cenas. Confiar é, sim, acreditar em uma ilusão, no sentido estritamente freudiano. A criança que dorme, segura e protegida (obviamente, ilusoriamente, pois não há segurança, mesmo na casa e com os pais mais conscienciosos; nada é seguro como rocha), no berço sob os olhares atentos dos pais. Confiar é uma experiência de estar com, de dependência (mas não de fusão ou entrega absoluta de si na magia do outro que a tudo provê e salva). Nada muda o fato do desamparo fundamental; nada muda o fato de que, no melhor dos melhores dos hospitais, escolas ou restaurantes, mesmo ali não há nenhuma garantia. Um advogado duvidaria disso, claro; e um advogado pode ir até as últimas consequências por uma queixa de reparação (que recebe um tratamento bastante racional no contexto jurídico, obviamente).

O que existe, sim, são pessoas que têm mais competências para lidar com o real e contorná-lo, quando possível, e apenas quando possível e até onde ele, o real, permitir. São pessoas que estudaram mais, em lugares melhores, que são mais críticas ou conscienciosas sobre o que fazem, que se orientam pela qualidade de um trabalho bem feito, mas não apenas para subirem em suas carreiras e ganharem dinheiro (ambas as coisas positivas e corretas); pessoas que tiveram melhores oportunidades, ou que, por seu caráter, conseguem enxergar além da letra morta dos procedimentos que abundam em toda instituição. Não parece ser tarefa fácil encontrar essas pessoas, e acho que nossa literatura “crítica” já nos contaminou a tal ponto que a qualquer coisa ruim logo buscamos compreender e relativizar. Mas, e isso é mais duro, e insisto, mesmo nessas condições, em um ambiente “impecável”, mesmo ali a “casa pode cair” e você terá diante de si, mais uma vez, sem máscaras e mediações simbólicas humanas, o real. O que eu gostaria, como pessoa, era estar diante desse real mas, ao mesmo tempo, com outros em que eu pudesse confiar.

Mas, para isso, eu precisaria esquecer de mim por um instante, esquecer de meus medos, minhas críticas, até minha sensação de superioridade (ou medo), minha necessidade de criar redemoínhos mentais e inimigos imaginários que teriam a obrigação de “me reparar”, e de minhas culpas, ou até mesmo do desprezo que tenho por mim mesmo. Teria de “me deixar levar” por mãos amigas, mãos seguras, mãos de cujo corpo e motivações eu não teorisasse a perder de vista sobre suas intenções protocolares (como numa relação de “cliente”, que aliás, convenhamos, acaba mesmo sendo nas instituições e sistemas peritos). Drama, pois os profissionais não seriam meus pais, meus avós bondosos e bonachões a me acalmar; não, estão ali fazendo seu trabalho, comigo agora, e meu ente amado, mas com muitos e muitos outros ao mesmo tempo, repetidamente, massificadamente, tentando, para não enlouquecer, deixarem-se, eles também, se levar pela lógica protocolar. O que eu queria talvez não seja possível, ao menos não perfeitamente possível, mas…

Notas técnico-acadêmicas

  1. A casa pode cair, mas a casa, muitas vezes, cai de qualquer jeito; só que você prefere que a casa caia com complementos ou sem complementos? O marketing e as empresas de prestação de serviço criam situações para que o sofrimento envolvido no confronto com o real seja desviado, ou atenuado, pela falsa experiência de apoio e proteção, que, na prática, está baseada na extração de lucro (paga-se caro para ter uma “morte premium”). Não saberia dizer, mas pode até ser que, psicofisicamente, haja alguma influência na “sensação de dor”, ao menos em algumas condições;
  2. A qualidade do trabalho é um valor metafísico, algo para além de qualquer apropriação utilitária, ao menos, penso eu, para os profissionais médios (não para executivos ou proprietários, que não conseguem ver senão a conexão atividade-dinheiro). Estes proprietários são verdadeiros psicólogos, pois, no campo dos serviços, sabem captar a essência do sentimento de desamparo, bem como a verdade de que é feita a própria realidade: impermanência, mas com possível mediação simbólica (ou seja, sabem que pessoas ou animais vão acabar morrendo, mas colocam o verniz do marketing sobre tudo);
  3. O hospital-shopping é, a meu ver, a mais perfeita demonstração, o estudo de caso sintomático, de uma combinação imensa de fatores. De um lado, há a lógica do “hotel” e serviços similares; de outro, a construção de um corpo técnico e de um circular de saberes que, por esse motivo, acabam tendo um efeito centrípeto e criando uma massa crítica que, de fato, permite a criação de um conjunto de experimentos e ações de confronto proficiente (até certo ponto, pelo argumento aqui desenvolvido) com o real. Por exemplo, o componente de luxo e hotelização atrai uma clientela de classes mais abastadas; com elas, vem a sensação de gourmetização e de exclusividade – e, claro, o capital (dinheiro). O capital irriga a institução que, por sua vez, associada ao marketing, acaba se tornando um pólo (no campo médico, temos o exemplo do Einstein, hoje um hospital-grife e uma faculdade de medicina!) de atração de quadros. Com o tempo, o ambiente desenvolve uma cultura organizacional muito própria, que então passa a alimentar a produção de significados e comportamentos respectivos. Cria-se um looping de auto-reprodução, e, progressivamente, uma espécie de hub que se comunica com outros sistemas sociais (hoje o Einstein é símbolo de destaque, na mesma lógica de segmentação de clientes “vip” em bancos, aeroportos, etc.).

Futilidade

Após certo marxismo (estou pegando o marxismo por preguiça ou por estereotipia) nos impregnar, e digo esse ‘nós’ com muitas restrições, com análises realistas ou materialistas da realidade, a vida se tornou algo como aquele day after quando, na estorinha de Nietzsche, Deus foi anunciado morto. Quer dizer, quando uma perspectiva de análise da realidade teima em sempre nos ficar apontando o que há por detrás das cenas, tudo ficou muito mais chato. A realidade pode ser chata, ok. Se estamos felizes porque compramos, sei lá, uma calça nova, se você for analisar a fundo, tal felicidade é subproduto de uma consciência que fundiu a mercadoria ao próprio tutano subjetivo de que somos supostamente feitos. Se você, que gosta de vinho e boa música, está ali na sua casa fazendo isso, você poderia começar a pensar na imensa, e muitas vezes desumana, cadeia de eventos e suores e explorações que trouxeram, à sua taça, o vinho; e, ao seu celular, a música. Você pode se agarrar ao seu sentimento de prazer no instante e simplesmente ignorar tudo o mais – seja por impossibilidade cognitiva de captar o ‘todo’, ou porque você está muito acomodado para isso, para se dar tal trabalho. Mas o analista dos bastidores está sempre a lhe chamar à consciência, te apontando, às vezes com um ressentimento que ‘realistas’ às vezes podem vir a ter, o quanto você está metido até a cabeça nessa coisa toda.

Seres humanos podemos ser, e muito, seres fúteis. Construimos significados; escrevemos romances; obras de arte (pintura, etc.); qualquer coisa do gênero, simplesmente porque não sabemos o que fazer de melhor com nosso tempo (se todos puramente nos entregássemos às nossas pulsões primitivas, talvez não ficássemos sentados horas a fio escrevendo um artigo, polindo um armário, pregando pregos, operando cérebros, etc.). Somos fúteis, perdemos tempo, jogamos conversa fora, viajamos em sonhos. Dormimos. Construimos toneladas e mais toneladas de produções de sentido (jornais, livros, outdoors, manuais, etc.) sem qualquer validade que não a de nos enxarcar de redundância (quem não escutou uma mesma música milhões de vezes?) e algum pragmatismo miúdo (embora útil demais; imagine viver sem um mapa rodoviário!). Milhares de horas são investidas em atividades com nenhum propósito, embora, de novo nosso marxista pode argumentar, tal futilidade esteja baseada, chupando como um parasita, num batalhão de outros seres anônimos, que, como os filhos priveligiados do Cristo, estão aí a nos servir e em contato com o mundo na sua sensibilidade mais …sensível, corporal.

E, nesse processo de construir sentido na futilidade, e para a futilidade, vamos confundindo, talvez, cultura com ideologia. Chega um ponto que nem importa mais. O quanto daquilo que penso sobre mim, das categorias ou similares que uso para dar vazão e direção a meus afetos, é produto de, sei lá, as horas de televisão que assisto? Às ladaínhas sem fim das minhas professoras do primário? Daquilo que observei com este par de olhos que nada têm de virgens? Do que escutei no rádio? Do que li em livros? Como saber se o que está na minha cabeça (como se algo pudesse ‘estar’ ali, enclausurado) foi ‘implantado’ (lembram do filme?) ou foi construção minha? Ora, mas o ‘construção minha’ não poderia ser, isto também, uma ideologia, no sentido de que aprendi, no meu século, a achar que o que realmente importa é o que crio e sinto por mim – e nisto devemos agradecer ao romantismo espraiado na e pela psicanálise (e pelos romances, etc.). E se essa colocação for reflexo, poderia algum psiquiatra aí dizer, de um pensamento paranóide de minha parte (não é uma patologia a pessoa acreditar que há coisas ‘de outros’ impregnadas nela, e ela, por vezes, se sente como um marionete de forças que lhe são estranhas)?

Claro, uma humanidade que, por efeito de sua condenação semiótica, não poder fazer outra coisa senão criar ‘teorias’ sobre o que lhe acontece, ou mesmo sobre sua situação real (onde mora, o que come, o que veste, a quais cuidados de saúde tem acesso, se tem água encanada, etc.), só conseguirá se olhar no espelho se começar a adotar, pelo menos parcialmente, a atitude de buscar o que está por detrás das cenas, após o fechamento das cortinas (ou mesmo antes de estas serem abertas). Marx volta. Mas Marx, convenhamos, nos colocou à frente, na mesa, uma ideia de que somos, como humanos, criaturas úteis, voltadas ao trabalho, matando qualquer ‘encanto’ do pão que surge, como que por milagre, em cima da nossa mesa (crianças, obviamente, pensam dessa forma). Olhar no espelho dói, com certeza. Mas sabe o que me dói mais? Saber que, ao olhar no tal espelho, não vou escapar da futilidade. Se uns conseguem usar melhor, não sua proximidade com o real, mas sua habilidade em manipular as aparências, estes vão aparecer menos fúteis, ao menos de acordo com os critérios vigentes. Mas, num plano infinitamente amplos, até estes serão fúteis. A questão é como ser um fútil com alguma …finalidade (ha ha ha).