I believe in homicide (song + ideias)

Número 1

Às vezes, me arrependo de falar. Tenho uma relação ambígua com a palavra: ao mesmo tempo em que tento mantê-la longe do meu turbilhão interior, ela escapa para lá e funciona como lenha na fogueira. A construção narrativa escala de tal forma, toma tanta força, me deixa tão transtornado, que a única saída é desacelerar abruptamente, e entrar tenramente no reino da depressão.

Número 2

Aqui não há psiquiatras, nem pessoas bem-intencionadas. Sei lá quem é meu leitor neste mundo anônimo. Mas penso, tirando os casos de aberração clínica, que a depressão te coloca em uma sintonia mais fina com a realidade. Pelo menos, por comparação: uma aventura esquizóide ou obsessiva-compulsiva te torna cego e surdo; a depressão, não – a depressão te joga num buraco de silêncio, mas não de desânimo ou pavor, necessariamente, mas de abertura. Em não havendo nada na mente, nenhuma narrativa-fogo escalada pela linguagem, pode haver um instante de calmaria necessária (embora talvez não suficiente) para pensar posicionado no andar térreo da vida, olhando o horizonte da altura do chão, sem descolar dele, mas em vistas de erguer algo que se sustente. O que se sustenta? Bom, os existencialistas diriam que nada se sustenta OU no sujeito OU no mundo. Seria na relação entre ambos. Não acho: o mundo se sustenta. O que temos de fazer, do silêncio desse tipo de depressão de que falo aqui, é nos sintonizarmos com ele. Sermos menos “sujeitos”. Falamos demais, fazemos pouco com o mundo.

Número 3

O que esqueci de dizer no post anterior é que os modos de vibração podem ser puramente imaginários, fantasiosos. Estes dias, aliás, estava pensando sobre a fantasia. Ela é como que aquele palito de fósforo que usei na descrição de “Fagulha”. A fantasia pode ser um vento tão forte que arranca tudo pelo caminho. A fantasia é uma forma, ao mesmo tempo, de incrementar a vida banal cotidiana, o tédio, como também uma forma de escape, de negação, de subuso. A fantasia não é um sonho. A fantasia pode ser um pesadelo, por vezes dividido a dois, o que a torna ainda mais perigosa, pois, em dois, ela pode parecer verdadeira.

Número 4

Quando, volta e meia, me perguntam, e aliás perguntam muito, em que acredito “de verdade”, me enredo nas palavras. E mais e mais me afogo nelas, tento nadar por muitas, achar uma saída, mas, quando me dou por mim, estou mais afundado nas palavras, um córrego vira um rio e o rio deságua no mar, e então as palavras vão seguindo e eu, navegando nelas, sendo enredado por elas, por uma força da qual desconheço a origem, mas vou sendo levado. Não posso dizer no que realmente acredito, pois, quando tento, sinto gosto de cobre na boca, ou zinco, ou ferro (mais provável). Pois no que realmente acredito é: no oposto do que é, ou em tudo aquilo que nunca poderá deixar de ser o que é. Quando te perguntam no que você acredita, no fundo, eu acho que ou é uma traição, ou é um desmascaramento. Ambas, desagradáveis…talvez, em alguns casos porém, necessárias.

Número 5

Estando entre muitos, vivo como muitos e não penso como eu; após algum tempo, é como se me quisessem banir de mim mesmo e roubar-me a alma — e aborreço-me com todos e receio a todos. Então o deserto me é necessário, para ficar novamente bom”

– Nietzsche, Aurora, §491