Pensar grande

Chega um momento, em sua vida profissional, em que é preciso pensar grande. Não me refiro a isso que já virou um ditado do senso comum, certo puritanismo ascético de crescer, crescer e crescer, de sentir que se veio neste mundo para fazer a diferença, deixar sua contribuição, ser diferente da maioria dos outros, etc. Pode até ter um pouco disso, mas penso em algo diferente. Penso, em particular, no campo das ciências, ainda mais especificamente no campo das ciências humanas, no da psicologia, onde por fim atuo. O que é pensar grande aí?

Vou tentar uma resposta, menos por tê-la já pronta na cabeça, mas muito mais no sentido de que, enquanto escrevo, estou pensando e a desenvolvendo para mim mesmo. Então, por enquanto, ela pode não ser mais do que algunas intuições, impressões pessoais.

Sinto que vivemos hoje, talvez por conta dos excessos da cultura da produção acadêmica, uma situação de saturação. Até aqui, nenhuma novidade. Muitos de nossos alunos, nós mesmos (professores), colocamos alvos miúdos à nossa frente, e nos limitamos a alcançá-los. Muitos de nós pensam apenas no curto ou, no máximo, médio prazos. Outros, mais experientes, conhecem seu próprio centro de referência (seu projeto profissional, por exemplo, ou sua circunscrição teórico-metodológica…), e então acabam “espraiando” alguns tentáculos, o que se reflete em diversos projetos em rede (com alunos, outros colegas, etc.). E há, naturalmente, os que “atiram para todos os lados”, vivem ao sabor do momento, daquilo que pode repercutir em bom volume de produção. Vivem, nesse sentido, uma vida “rizomática”, para fazer um uso (espero que não-abusivo!) de uma ideia de G. Deleuze.

Mas, o que buscamos? Em que medida as demandas institucionais acabam nos atravessando e, de dentro de algum jargão, nos inflamos e causamos algum barulho? O que pensar grande nestes casos?

Pensar grande é, em alguma medida, retomar certa perspectiva holística da realidade, certa visão total dos fenômenos. Há muitos que dizem não ser isso possível, pois um fenômeno só se revela a partir de algum recorte. Mas a cultura do recorte (travestida de uma roupagem “epistemológica”) nos afasta da apreensão mais ampla dos fenômenos, e nos torna absurdamente especialistas. Então, pensar grande implica, nalguma medida, em sair de um jogo disciplinar específico (digo, de alguma abordagem / faceta particularista dentro do campo do saber). Mas, pode-se argumentar, isso nos deixaria como a personagem Ryan do filme Gravidade (em cartaz): à deriva? E, definitivamente, ficar à deriva não é bem uma “qualidade” apreciada no contexto universitário. Então, temos aí um paradoxo.

Sem alongar demais, e como eu me dei a liberdade de simplesmente ir expondo alguns pontos aqui, eu perguntaria ainda o seguinte. E quando não conseguimos pensar grande, quando somos, por muitos motivos, impedidos de fazer isso? O que nos resta? Bom, restam algumas opções (sempre pensando no pequeno-mundo acadêmico, minha realidade): primeiro, inflar-se em torno de um ponto miúdo, ou seja, fazer muito (barulho – ex.: artigos) com pouco (conteúdo). Segundo, paralizar-se: diante do “pensamento pequeno”, prefere-se não falar nada. Neste caso, é uma estratégia curiosa: quem pouco produz tem, a seu favor, a prerrogativa de que não produz porque prefere esperar o momento certo da “manifestação do pensamento grande”. É uma opção, e temos de colocar assim. Há ainda os cínicos, que jogam o jogo – por exemplo, produzem porque sabem que no “mundo artificial” da ciência, as coisas são assim, de modo que preferem entrar no jogo a questioná-lo. Estes, em geral, vão muito bem, pois estão integrados na lógica que estrutura o funcionamento das coisas. Mas podem vir a ser, em qualquer momento, cobrados perante a consciência, esse tribunal impiedoso do sentido.

Não assino embaixo de nenhuma opção acima. Ainda seguirei por aqui, um pouco frustrado, porque ainda não sei bem em que consiste “pensar grande”… nesse mundo tão pequeno chamado ciência, ciências humanas, psicologia.