O cavalo de Turim (2)

Como prometi, aqui segue um post um pouco mais demorado sobre o filme do diretor húngaro Bela Tárr, vencedor do Festival de Berlim do ano passado. Aviso que este post tem um conteúdo “spoiler”.

Apesar de o filme ser sobre o suposto cavalo defendido por Nietzsche, não há qualquer outra referência ao filósofo, exceto na própria idéia do filme. Há, por exemplo, um trecho em que um personagem desenvolve um monólogo no qual discute que, tanto os homens, como Deus (que, supostamente, “supervisiona” estes últimos), são responsáveis pela destruição “de tudo aquilo em que colocam suas mãos”. Provavelmente, uma referência à própria destruição do planeta.

E o planeta se manifesta o tempo todo. Particularmente, a natureza. Venta durante todo o desenrolar dos 6 dias em que acompanhamos a rotina férrea de pai e filha. Há grande angústia na tela, reforçada pelos planos-sequências, pelo uso do PeB, pela expressão dos rostos dos personagens, e, principalmente (para mim), pelo vento e pela desolação que, aos poucos, vai se abatendo sobre a pequena família. E o centro de tal desolação é precisamente o cavalo – que se recusa a comer e, desde então, desbanca a rotina diária pela sobrevivência dos dois. Achei fantásticas as tomadas em que vemos o cavalo e sua quase-humana “resistência tenra” a continuar a viver.

Bela Tárr diz que se trata de um filme sobre o “peso da vida”, a rotina de dormir, levantar-se, vestir-se, comer (no caso, toda a refeição se resumia a uma batata para cada um por dia), buscar água no poço, lavar roupa, utensílios, tirar e voltar a guardar a carroça, limpar a estalagem do cavalo e alimentar este último (ou, pelo menos, tentar alimentá-lo). É a rotina que vemos o tempo todo, afirmando-se. Não há praticamente diálogo durante o filme, mas as cenas são de uma densidade que fazem as palavras serem quase supérfluas.

O cavalo para de comer; logo depois, ou quase ao mesmo tempo, acaba-se a água do poço. A pequena família tenta fugir, mudar-se, levando consigo o cavalo. Mas acabam voltando. Não há para onde fugir? Ou, como li em algumas críticas ao filme, trata-se de falta de vontade, uma resignação dos personagens à inércia insuportável da vida? Se for falta de coragem, fato é que em nenhum momento há qualquer sinal de revolta dos personagens: a filha faz o que tem de ser feito sem qualquer reclamação ou queixa; o pai, idem. Há uma espécie de “força cega” os levando a fazer o que fazem, inclusive quando simplesmente esperam. Esperam diante da janela, esperam ao acordar, esperam após a breve refeição, o dia passa e, mesmo assim, parecem sempre à espera. Mas de que? De uma melhora? Do fim do redemoínho de vento que faz tudo ficar de pernas para o ar, em rodopios infernais? De que a água volte ao poço? De que o cavalo volte a levar a carroça e ajudar no sustento da família? A agonia vem de que sabemos que, provavelmente, nada virá.

Para mim, o melhor filme que já assisti nos últimos anos. Muito, mas muito melhor do que o último de Lars von Trier (que também, a seu modo, fala do fim, da falta de esperança e da passividade da espera); melhor do que Árvore da vida, que, como disse aqui em outro post, nos maravilha e humilha com a magnificiência do universo. Estou a tal ponto impactado pelo filme de Tárr (segundo o que ele declarou à imprensa, seu último filme), que me parece que escrever sobre ele é como “violá-lo”.