Glenn Gould, solidão e isolamento

Hoje me veio à memória um filme a que assisti ano passado sobre o pianista canadense Glenn Gould. O nome do filme é “Trinta e duas curtas-metragens sobre Glenn Gould”. 

Glenn Gould, a certa altura de sua carreira, decide não mais apresentar-se em público. Este o incomodava; o piano das salas de apresentação o incomodava; os quartos de hotéis em que tinha de se hospedar durante suas apresentações ao redor do mundo o incomodavam; a filigrana de imperfeições envolvidas em uma performance para um grande número de pessoas o incomodava… Gould queixava-se de uma falta. Como diz ele: “carecia de uma espécie de transcendência mística para eu superar”. Então, resolveu isolar-se de todos, mantendo, com o mundo, apenas um contato (aliás, intenso) por meio do rádio e do telefone.

Algumas idéias de Gould me chamaram a atenção. Primeira, ele dizia que para cada uma hora que você passa com um ser humano, você precisa de X horas sozinho. Segunda, ele era fascinado pelo Pólo Norte e pelo tipo de vida que lá se podia ter, em completo isolamento. No filme, aliás, há uma bela cena de Gould desaparecendo (ou aparecendo) no branco da neve do nórtico. Impossível não sentir que o vazio é completamente “abundante”, “cheio”.

No Norte, Gould sentia haver uma virtude quase indescritível: a virtude da “extrema observação” – como tudo era muito distante, quando as pessoas se encontravam, elas provavelmente deviam prestar muita atenção umas nas outras. Engraçado, não? Hoje, vivemos em imensas cidades em que um amontoado de gente se esbarra em cada canto, cada qual falando sem parar umas com as outras, quase sempre fazendo vistas grossas aos detalhes e às sutilezas do que é dito (ou não dito).

Muito certamente essas idéias de Glenn Gould me vieram à mente hoje impulsionadas pelo sentimento secular (?) de pertencer a uma multidão solitária.

Acham que isso é “negação da potência de vida”?… uma frase bem nietzschiana, por assim dizer. Mas o próprio Nietzsche vivia a maior parte de sua vida como um nômade. Aliás, ele adora as alturas das montanhas (não é de uma que desce Zaratustra?). Recolher-se ao isolamento, a meu ver, não implica em negar a Vida (com “V” maiúsculo)…talvez signifique, sim, negar um tipo particular de vida… .