Encontrando uma linguagem própria

Acredito que uma das causas de qualquer forma de sofrimento mental seja a impossibilidade de o indivíduo construir uma linguagem própria para se expressar. Pois, no fim, somos produto de uma extensa tradição lingüística que deposita sobre nós um vocabulário de termos e conexões que obscurecem nossa capacidade criativa. O sujeito é, em seu dia-a-dia e em última instância, reflexo de termos concatenados que usa para lidar com situações e pessoas. Por exemplo, no trabalho: repare que a linguagem com que as pessoas se expressam é quase sempre a mesma, quaisquer que sejam as organizações que considerarmos.

Richard Rorty, em uma passagem na qual discute as características do “homem ironista”, diz o seguinte:

[Os ironistas] não esperam ter suas dúvidas dirimidas por algo maior do que eles mesmos. Isso significa que seu critério para dirimir dúvidas, seu critério de perfeição privada, é a autonomia, e não a filiação a outro poder que não eles mesmos. Tudo com que qualquer ironista pode cotejar o sucesso é o passado – não por ficar à altura dele, mas por redescrevê-lo em seus próprios termos, com isso tornando-se capaz de dizer: ‘Assim eu quis’ […] Ele quer poder resumir sua vida em seus próprios termos. A vida perfeita será aquela que se encerrar na certeza de que o último de seus vocabulários finais, pelo menos, terá sido realmente todo seu”.

A afirmação do estilo pessoal. Não a certeza sobre a “verdade” desse estilo, sobre a correspondência dele com qualquer critério exterior (por exemplo, com o que todos estão fazendo). Não a confirmação da linguagem cotidiana, do “falatório” que muitas vezes nos limitamos a reproduzir. Trata-se de criar o gosto pelo qual será julgado. Ecoando Nietzsche: “tornar-se quem é” – ou seja, “tornar-se aquele em que o indivíduo se transformou no decorrer do gosto pelo qual acabou julgando a si mesmo”.