Um jeito alternativo de fazer POT (1)

Semana passada, recebemos aqui em Natal a visita da profa. Dominique Lhuilier. O encontro foi bem simpático e instrutivo, pois ela é uma grande divulgadora das Clínicas do Trabalho, sobre cujo tema organizamos um livro no ano passado. Pela correria da vida cotidiana, acabei deixando de registrar aqui alguns dos principais temas abordados por ela em suas várias intervenções junto ao nosso grupo, o GEST. Para contornar essa ausência de comentários e reflexões, gostaria de citar dois de tais temas.

Em primeiro lugar, Mme. Lhuilier nos lembrou, fazendo eco a certa tradição clínica, de que podemos optar ou por: 1) pesquisar/intervir SOBRE outras pessoas/trabalhadores, ou 2) pesquisar/intervir COM outras pessoas/trabalhadores. O primeiro caso é bem conhecido: trata-se sempre daquelas situações em que o pesquisador vai “a campo”, aplica um questionário ou realiza uma entrevista, e só mais distantemente retorna ao campo com os resultados (em geral, na forma de artigos ou de seminários).

O segundo caso, quando intervimos COM, depende de uma inversão na relação entre sujeito e “objeto” do conhecimento: o trabalhador, neste caso, não é um informante (no sentido de que dá ao pesquisador uma informação SOBRE sua atividade, trabalho ou comportamento), mas um agente cujas ações se esperam que o pesquisador compreenda e o ajudem a explicitar – porém, sempre a partir de si e para si. Trata-se, aqui, de uma postura a que poderíamos denominar de clínica – ou, mais tradicionalmente, de um desenho de pesquisa-ação, um pouco (mas só um pouco) esquecido no campo da POT – Psicologia Organizacional e do Trabalho brasileira.

É importante observar que AGIR COM não se iguala a um formato de intervenção este sim bem comum: o de consultoria. Aqui aparece um segundo tema abordado por Mme. Lhuilier: quem AGE SOBRE a atividade do trabalhador nem sempre recebe deste último uma demanda espontânea de ação. Neste caso, trata-se do que Mme. Lhuilier denomina de “comanda” (no sentido de uma ordem, de um pedido, de uma “injunção” – por exemplo, um gestor “comandando” a um consultor que este “resolva” problemas nas relações de trabalho que estão a prejudicar o desempenho da organização).

Já a “demanda” (por contraposição à “comanda”) depende de o coletivo de trabalho solicitar a ajuda ou intervenção de um consultor ou psicólogo. E isso mesmo para os contextos tradicionais de nossas organizações, pois os gestores, que, num primeiro momento, podem estar do lado da “comanda”, num segundo, graças ao trabalho de interpretação da situação pelo pesquisador, passa para o lado da demanda: percebendo, efetivamente, o ganho mútuo.

Enfim, duas coisas me chamaram a atenção a partir das reflexões da profa. Dominique Lhuilier sobre estes dois temas: primeiro, que, ao contrário do que eu costumava pensar, é, sim, possível realizar “clínica do trabalho” em contextos organizacionais stricto sensu (empresas capitalistas). Segundo, que realizar pesquisa COM os nossos “sujeitos” (que, aliás, deixariam de serem vistos desta forma) é um desafio ético (e político) bastante intenso.