Sujeito coletivo

Adam Smith, o conhecido “pai” da visão moderna de homem como agente econômico, acertou em cheio num ponto: o ser humano é movido por interesses egoístas. Uma espécie de força atávica nos arranca da inércia e nos precipita na busca infindável de nossos interesses. Alie a isso uma sociedade de consumo, e, pronto, temos a receita completa de uma forma de conceber o “motor” da ação.

O sujeito das organizações, das empresas, é um sujeito econômico. Ele faz o que faz embalado pela remuneração – embora salário gordo não quer dizer pessoa que preste. Marx e sua leitura do capital como um motor; porém, do sujeito particular, não necessariamente do sujeito coletivo.

E quem seria o “sujeito coletivo”? Por que uma escola particular é “melhor” do que uma escola pública da periferia? Por que em bairros de gente com dinheiro não existe ONG humanitária? Ou então algum “equipamento social” de assistência? Pois numa “comunidade” com dinheiro, este é o próprio motor da ação – da construção das casas, da segurança, da urbanização, da limpeza das ruas, das escolas e, sobretudo, da plataforma subjetiva em que se assenta a vida humana. O “amor”, por exemplo, parece encontrar solo mais “propício” em lares fartos (veja que coloquei ” ” nas palavras!).

Em comunidades pobres, o poder de agência é, em geral, público. Ou então de instituições do chamado “terceiro setor”. As dificuldades que as instituições ali sofrem são dantescas: testemunham, na beira do mundo “civilizado”, o que se passa quando não se tem um sujeito coletivo, quando a ação ou agência se ancora, unicamente, no instinto (na verdade, na razão) de sobrevivência. Violência, drogas, prostituição, homossexualidade infantil, fatricínio, latrocínio, doenças psicológicas, decadência ambiental, etc. Profissionais mal-remunerados têm, a cada dia, de levar o catequismo da “dignidade humana” a quem não a tem, não a quer ou simplesmente não a pode obter por si mesmo.

Em que consiste “fazer civilização”? Em que consiste viver juntos? Em que consiste o sujeito coletivo? Por que é tão difícil, aparentemente (não tenho experiência nisso, e, portanto, o que digo não esgota a realidade, sendo, muito antes, talvez apenas uma pálida e distorcida visão dela), fazer pessoas que não têm capital econômico mobilizarem-se até mesmo para cuidar de si próprias? E por que, intuitivamente, é o desânimo que se abate sobre profissionais encarregados de lutar nessa batalha?

Só sei que clichês não resolverão o problema da desarticulação do sujeito coletivo. Ao mesmo tempo, sinto que, para este se revelar, é preciso algum tipo de “faísca”. Pergunto ao Marx de tempos idos: onde está a “inteligência geral”? Onde está a astúcia do sujeito coletivo, pobre e sem “equipamentos” para entender a complexidade desse mundo?