Sobre o amor

Estive em Assis (Assisi, em italiano), a cidade-natal de São Francisco (de Assis…). A pequena cidadezinha é absolutamente maravilhosa. Li em algum lugar que “há pouco a fazer ou a ver em Assis”, mas discordo completamente: a vista é repleta de reflexão; a cidade é silenciosa, mas de um silêncio particular, que nos chama, nos convoca na verdade, a pensar. Claro que, para isso, é preciso superar o tempo presente: é preciso, por exemplo, esquecer ou abstrair o fato de a pequena cidade ter sido capitalizada pelo turismo, e de que você se esbarra, a todo momento, com gente de todo canto em busca de seus “15 segundos de flash”. Mas tudo isso é, com um certo esforço, superável.

Assis é uma “típica” cidade medieval; é cercada por uma muralha, e dá-se a impressão de que, desde sua fundação, ela já nasceu com vocação para o distanciamento, para o afastamento contemplativo. As casas são feitas, literalmente, de pedra, e logo se vê que não vieram para durar pouco. Por toda a parte, encontram-se franciscanos (refiro-me aos irmãos), mais de 800 anos depois da morte de S. Francisco, repetindo e seguindo seus passos: no refúgio da cidade, rezam pelo mundo…(inclusive uma pessoa que, mesmo sem ser frade, perambula pelas ruas com uma “missão penitencial pessoal”, o carismático Massimo Coppo!).

Fotos de Ila (minha esposa) e minhas

Arquitetura à parte, saí de Assis com uma certa dúvida sobre em que consistiria o amor a que tanto fez referência S. Francisco de Assis. Pensei em coisas como estas: seriam os frades, os franciscanos e beneditinos, as irmãs clarissas (não sei se é assim que são chamadas, as adeptas de S. Clara, também imortalizada na cidade), “negadores” da vida, no sentido de que, em estando em Assis, afastam-se da necessidade, pesada e muito presente, de amar no cotidiano, o cotidiano, com toda sua confluência de impedimentos? Seria mais plausível amar à distância, por assim dizer, do que do coração da vida corriqueira? Qual o objeto do amor, qual seu propósito? Amar no (ou do) desprendimento?

Saí de Assis com a sensação de que a experiência induzida em mim por essa cidade precisa de algum nível de generalização, precisa ser transportada de lá para o resto do mundo e para as outras contingências de nossas vidas. É possível “amar” sem a bela e abundante visão dos vales da Úmbria, onde está localizada a pequena cidade? Seria possível amar de dentro de um carro apertado, no engarrafamento de uma grande cidade como S. Paulo,por exemplo? Seria possível amar SEM um objeto definido? Por exemplo, amar a mulher com a qual você está (ou o homem) pelo fato de amar, verbo intransitivo? Amar sem esperar nada em troca (como falou S. Francisco… e tantos outros antes e depois dele), perdoar sem esperar nada em troca, simplesmente deixar-se, entregar-se ao mundo e à sua maravilha (como criação de Deus, na perspectiva cristã)?

Não tenho respostas para nenhuma das questões. Nem do porquê elas vieram a mim, exceto pela minha “exposição” (em elevadíssimo bom sentido) à Assis. Acho que tudo estaria resolvido se, simplesmente, a própria cidade de Assis “se internalizasse” em mim – mas nossa dependência do lugar não é desprezível. Talvez seja por isso que muitos monges/frades não saiam de suas selas, fiquem a olhar para o horizonte, para o “desvelar da criação”, daí voltando novamente para dentro de si-mesmos. Ou talvez eu esteja subestimando a experiência religiosa…e haveria formas mais sutis de transcendência na vida cotidiana. Sem essa transcendência (que você, mesmo sem grandes “treinos” em meditação ou algo que o valha, consegue em Assis!), a vida cotidiana assume talvez sua principal característica: a total falta de sentido/propósito.

Amamos, na vida cotidiana, desde que tenhamos um objeto para este amor: eu te amo se você me amar de volta; faço-te algo se você me der algo em troca; ou faço-te coisas para que você não faça outras para mim…A vida cotidiana, em geral, reflete a “ontologia de um ser social” que é, no fundo, um ser econômico, calculador, instrumental, IMANENTE. Por mais que se fale em “mercado futuro” (na bolsa de valores…), a economia é bastante imanente…só que, ao mesmo tempo em que isso a torna desprovida de grande valor “místico” (o sentido da vida não está, decerto, na economia, ou não deveria estar, contra qualquer bom senso antropológico), ela reflete o que somos na modernidade. E nada mais avesso à Assis. Só um último exemplo: em Assis, cobrar para entrar numa igreja, para conseguir recursos (como nos museus, que vendem coisas para arrancar dinheiro das pessoas), é uma contradição METAFÍSICA!

Seja como for, Assis é mais do que um simples destino num guia de turismo; para mim, Assis foi uma verdadeira experiência religiosa, mas sem religião, se é que me entendem…