Quanto vale um pardal?

Uma metáfora muito forte, que comove a todos ou que mobiliza nossos afetos mais ocultos, é a de um pássaro sendo solto de uma gaiola. Ver o animal voar, depois de ter sua liberdade tolhida ou mutilada, é algo com o qual nos identificamos – afinal, também somos, sob muitos aspectos, criaturas cativas.

Hoje pela manhã tive essa sensação atualizada. E em circunstâncias especiais: estava passeando com minhas duas cachorras em uma praça pública perto de minha casa. Acidentalmente, quando passava debaixo de uma árvore, notei que havia um passarinho (um pardal) preso por uma das pernas. Quando prestei mais atenção, percebi que ele não estava preso por puro acaso ou acidente: ele havia sido preso ao galho por uma linha – na verdade, praticamente por um novelo inteiro de linha!

Imediatamente, subi em um banco, quebrei o galho e comecei uma dolorosa (para mim) tentativa de libertar o passarinho. Ele havia sido efetivamente bem preso: foi passada em torno de todos seus pequenos dedinhos uma linha que os prendia ao galho. Cortei o feixe principal de linhas e fui, ao longo de uns 20 minutos, soltando uma-a-uma, até que finalmente consegui o livrar das amarras. E, claro, esse momento foi muito gratificante, pois, ao soltá-lo, ele voltou imediatamente a voar. Mais impressionante, durante todo o tempo em que fiquei me esforçando para libertá-lo, ele ficou imóvel, como que agradecido. Não há nada que pague isso.

O que fez alguém fazer aquilo? Minha primeira hipótese é de que se tratava de uma atividade popularmente conhecida como “macumba”. A segunda hipótese é de que se tratou de algum exercício de maldade, no seu estado mais puro. Num caso como no outro, creio que posso usar a palavra “mal”. E não a uso em sentido religioso, mas em sentido prático: no sentido de uma ação cuja motivação é fútil ou extremamente egoísta, maquiavélica, desprezível.

Sei que podemos olhar a realidade de muitas formas. Para muita gente, o que importa é atentar-se ao que é “útil” para os seres humanos: por exemplo, fatores macro-econômicos, política, taxa de emprego, saúde e educação. Não discordo. Porém, se colocarmos um “zoom” nas práticas cotidianas mais imperceptíveis, vamos ver que muito da natureza humana se deixa revelar aí – alguém que faz isso com um pardal, que, não fosse a sorte de eu tê-lo visto, a esta hora estaria ainda lá se debatendo para escapar (o que dificilmente iria acontecer), será com certeza conivente ou apático a tudo o que diga respeito às outras esferas da vida em sociedade. O mal, o desprezível, a ignorância, a crueldade, a covardia, a mesquinharia, tudo isso acontece, antes e acima de tudo, nesses pequenos micro-gestos, mergulhados no caldo de nosso cotidiano e desprovidos de qualquer conteúdo ético mínimo.