Paralaxe cognitiva

Dia desses um amigo meu me apresentou a idéia de “paralaxe cognitiva”, do filósofo Olavo de Carvalho. Este a define como o “afastamento entre o eixo da construção teórica e o eixo da experiência real anunciado pelo indivíduo”. Isto significa que, quando falamos, criamos uma distância entre o ideal e o vivencial, entre aquilo que efetivamente experienciamos (em primeira pessoa) e aquilo que supomos, desejamos, ou meramente estipulamos normativamente.

Richard Rorty, filósofo norte-americano, dizia algo ligeiramente equivalente quando propunha que, em vez de pensarmos e mirarmos em “mundos ideais possíveis”, nos fixássemos na realidade, no mundo real, no mundo do cotidiano, compartilhado com pessoas de carne-e-osso ao nosso redor. Por exemplo, em vez de ficarmos perlaborando sobre como o Brasil “poderia ser”, poderíamos nos voltar para nossa realidade, pensar em como ela é, em como melhorá-la, não necessariamente em nome ou às sombras da realidade ideal, mas no âmbito do possível, factível. Para Rorty, o que importava não era o mundo (puro) das idéias, mas a experiência (política) de viver uma vida contingencialmente situada.

Com esse amigo, conversamos sobre os dilemas de nossa profissão. Como professores, somos, frequentemente, levados a falar sobre muitas coisas que, de fato, não experienciamos. À primeira vista, pensei, então, que deveríamos ser empiristas, mas, ao ler sobre paralaxe cognitiva diretamente nos textos disponíveis de Olavo de Carvalho, este afirma que o empirista, por exemplo Hume, acreditava que apenas por meio da experiência empírica poderíamos ter acesso à verdade. Mas Carvalho diz que o empirista era, de algum modo, um “tresloucado” que tomava a parte pelo todo. Ao acreditar apenas no que pudesse “tocar”, para recuperar imagem bíblica, o empirista iludir-se-ia com sua visão míope. Então, fiquei sem entender…

Se decidíssemos, a partir de agora, a sincronizar nosso “eixo existencial” com nosso eixo discursivo, teórico, simplesmente nos privaríamos de dizer muitas coisas. Talvez só falássemos daquilo que estamos “sentindo” (teríamos outra forma de acesso à realidade que não pela experiência sensível e pelo que nossa “cognição” faz [meio que autonomamente] desta?). Mas, honestamente, não sei definir o que é “eixo existencial”. Ao falarmos, já estamos instituindo uma distância, um desencontro, entre o que vivemos e o que expressamos. Estou fazendo este post sem ter me apropriado mais profundamente da idéia de Olavo de Carvalho. Por ora, com esta minha forma de entender a questão, fico me perguntando como falar de forma autêntica, onde situar o eixo do pensamento.

Mas admito, com sinceridade, que se distanciar muito do próprio “eixo existencial” gera uma forma de dissonância muito perniciosa. Isso pode levar a um sentimento (quando se tem auto-crítica para tanto!) de “picaretagem”: afinal, o picareta é o que fala do que não vive. Carvalho cita o caso de Marx. Este dizia que só o proletariado poderia entender efetivamente sua situação de alienação; porém, questiona Carvalho, o próprio Marx não era um proletário, assim como muitos que hoje cantam a ladainha da “libertação social” também não vivem em condições de vulnerabilidade, pelo contrário: em geral, estão bem abastecidos atrás de seus salários pequeno-burgueses. Deveriam, então, se calarem, pararem de falar de uma experiência que não é a deles?

Eis aí o dilema: não ser um empirista no sentido tradicional, mas igualmente não ser uma “contradição ambulante”, falando o que sequer consegue vivenciar na própria pele…