O silêncio de Deus

A gente vive numa época barulhenta. As cidades estão cada vez maiores, e o barulho é a regra. A poluição visual, os sinais em toda parte. Grandes e pequenas organizações tentam, a cada esquina, capturar nossa atenção. Não há como caminhar poucos metros e não identificar algum sinal de publicidade.

Numa cidade contemporânea, são raros os espaços e momentos em que você é deixado sozinho. Até se pode ficar sozinho na multidão. Esse mal é conhecido. Mas você não consegue, nas circunstâncias atuais das grandes cidades brasileiras, dar-se conta de algumas coisas existencialmente fundamentais.

Não acho que o ser humano deva viver muito tempo no barulho, na “muvuca”, como se diz popularmente. Não acho que o ser humano vive bem com o excesso de códigos, signos, sinais, símbolos. Estes, numa sociedade de consumo de massas, implica sempre no desvio do essencial, na captura do olhar e na fuga para o supérfluo.

Nunca gostei desses autores pós-modernos, sociólogos e, em geral, franceses (parisienses), que idolatram a cacofonia da vida cotidiana, contrapondo-a à monotonia medieval (ou anterior). A monotonia seria não haver nada para ver, para se distrair? Não acredito. De outra forma, como então explicar a profunda monotonia que podemos sentir no meio à balbúrdia de grandes metrópoles?

Vamos para um contraponto. Você já reparou que, na literatura religiosa, Deus não fala? Pelo menos não no sentido verborrágico. Jesus Cristo, como nos mostra a Bíblia, lança todas suas preces no Monte das Oliveiras a um Deus que simplesmente…se cala. O que poderia significar o silêncio de Deus? O silêncio do verbo? O que há quando não há linguagem, falatório, tagarelice?

O silêncio de Deus pode significar que é o real que está diante de nós. Explico. Em um momento de sofrimento, quando nos foge as frágeis proteções da linguagem, do signo e do simbólico, a que recorremos? A algum aplicativo do Iphone? A algum comercial de televisão? Não. Recorremos a um silêncio absurdamente indecifrável. Aí está Deus. Nesse silêncio, nesse “apagão”.

Deus esta, paradoxalmente, nas entrelinhas dos discursos, sejam eles quais forem. Ele está nos interstícios. O silêncio em que ele “se manifesta” é o inverso da egolatria cotidiana, quando nosso pequeno-grande “eu” ocupa toda a cena, com suas preocupações infindáveis, enfadonhas e rememorativas. Deus é, nesse sentido, o não-eu.

Faça o exercício. Você não precisa acreditar em Deus, você pode até mesmo ser um ateu. Mas faça o exercício de calar-se e de calar o barulho a seu redor. Tente. Esforce-se por deixar o silêncio ocupar, “monotonamente”, a sua vida. Apague-se. Desligue-se de tudo e todos. Não busque seu “eu”, mas sim busque “perdê-lo”, esquecê-lo. Despregue de si tudo que em você se colou, o burburinho geral.

Um exemplo de “contexto” para a “escuta” do silêncio de Deus é a própria natureza. Por que será? Em parte, eu tenho uma intuição, mas ela é bem minha: em parte, porque o ser humano, este sim, é um tédio.