Normalmente, quase ninguém possui ratos de estimação – pelo menos não como fazemos com os cachorros e gatos: convivendo conosco no dia-a-dia, compartilhando conosco o cotidiano. Ratos, em geral, vivem uma vida clandestina, não podendo tomar parte do convívio amigal com os humanos. Eles não são bem-vindos: se achamos um rato em casa, tratamos logo de colocá-lo para fora (na verdade, o impulso é matá-lo!).
A vida clandestina do rato complica sua busca por comida. Ratos não têm uma vasilha para comer, onde humanos lhe colocam ração duas vezes ao dia! Precisam sair para caçar restos de comida, pedaços de pão velhos, alguma sobra. Para sair da toca e voltar com segurança (e com o alimento), o rato precisa empreender um verdadeiro malabarismo – sair à noite, espreitar por frestas, arrastar-se sorrateiramente e, caso seja flagrado, precisa desaparecer como fumaça, sendo mais rápido que seu possível predator (frequentemente, um humano).
Ao vencer a luta diária pela comida, em um lugar hostil (a casa onde ele não é bem-vindo), volta para a toca, come e, provavelmente, dorme. A tranquilidade termina quando é hora novamente de voltar a se inquietar com o estômago.
Alguém sabe me dizer se os ratos, depois de alimentados, gostariam de dividir o convívio com os humanos? Brincar com estes? Correr atrás de objetos lançados pelos humanos e trazê-los de volta, felizes com a conquista? Dificilmente. Os ratos, imagino, não toleram os humanos; não foram feitos para conviver com estes em ambiente compartilhado.
Contei esta estória sem sentido sobre ratos e sua busca por alimentos para falar, metaforicamente, sobre o que acho que às vezes é o ser humano vulgar (=comum): só sai de casa para buscar alimento. Quando convivem no espaço público com outros seres humanos, muitas vezes o fazem por pura distração. Não vêem a hora de voltar para casa com o alimento e ali repousar. Poucas pessoas, se fossem efetivamente “normais”, sairiam de casa de bom grado, exceto se tornassem tal saída um expediente privatizante (“vou sair com a minha turminha num lugarzinho da gente…”). Pois, contra toda uma lenda histórica, talvez só os gregos, em sua sabedoria adulta de “cidadãos da polis”, realmente se importassem em sair de casa para discutir, com outros, o destino comum….