Depressão (1)

A leitura de uma coluna de Contardo Calligaris, na Folha, sobre antidepressivos me despertou, como sempre, a atenção. A pergunta do psicanalista é sobre se os antidepressivos realmente “curam” a depressão ou se apenas a “mascaram” – como faz uma aspirina, quando temos dor de cabeça.

A resposta depende. Em primeiro lugar, depende de se a depressão em questão for resultado de uma alteração no nível de serotonia (um neurotransmissor) cerebral. Ora, nem sempre, quando sentimos um mal-estar como o associado à depressão, ele é originado em uma disfunção biológica dessa ordem. Às vezes (não se sabe dizer quanto), um mal-estar é causado por outros fatores. E aqui entra o segundo ponto.

Esses “outros fatores” são de ordem psíquica, social, afetiva ou discursiva. Quer dizer, como não é possível mensurar in loco o nível de serotonina, tem-se de confiar na descrição que a pessoa faz de seu estado psíquico. E como uma pessoa faz isso? Ora, aqui o pragmatismo de Richard Rorty nos ajuda: a pessoa faz isso recorrendo às crenças presentes em sua comunidade linguística. Explicando: ela diz ter ou não “depressão” dependendo de um padrão (em geral dado pela psiquiatria) que associa certos sentimentos, pensamentos etc. a certas “patologias do espírito”.

Quer dizer, numa visão pragmática, o sentimento se expressa mediante a linguagem, sendo sua magnitude e qualidade interpretados linguisticamente e, como disse, recebendo nesse processo a influência da cultura (ou comunidade linguística). A conclusão que tiro é a seguinte: nosso mal-estar é químico ou psíquico? Velha questão entre corpo e mente, não há dúvida. Mas a resposta de Calligaris, e na qual vejo muito sentido, é: só ex post se descobrirá se a “depressão” em questão é ou não de ordem física, por exemplo, após a administração do antidepressivo.

Ao tomar o andidepressivo, ele pode ou não “funcionar” – desde que o mal-estar ou angústia em questão tenham efetivamente um cunho originário no cérebro (como “órgão”). Mas é bom lembrar que nem todo mal-estar é físico; que nem todo mal-estar é apagado com uma droga. Às vezes (e, novamente, não sei o quanto), um mal-estar (depressão, angústia, tristeza etc.) tem a ver com nossas escolhas de vida, com os ambientes em que estamos, com os desejos que não estamos realizando, com as sombras da vida nas quais podemos nos perder.

A depressão, portanto, é um problema ao mesmo ético, disciplinar (no sentido foucaultiano de disciplina: depressão como construção médica) e “ontológico” (em sentido heiddegeriano, é o “ser” que está esquecido na depressão, e que precisa ser resgatado).