Da imperfeição

É engraçado como as “estações” da vida vão nos levando e trazendo para as variações mais amplas de temperatura, paisagens, odores, texturas, imagens. Uma das frases deste livro de Greimas está como epíteto de meu blog desde, acho, que o lancei, em 2007. Depois de tanto tempo, algo volta, como trazido pelas ondas, um desejo de rever a imperfeição, seu sentido na minha vida. Vivemos, no discurso pelo menos, em uma cultura/sociedade que valoriza a perfeição, a performance, o fato de ser ‘o melhor’ e estar sempre no ‘topo’, por mais que, por ‘topo’, signfique ver quem tem mais sapatos, o sorriso mais caro, ou whatever. Não há limites no esforço de se tomar o chão pelo teto. É certo que Greimas é um semioticista, portanto, tem sua crença inabalável no poder, na função central, na estética do sentido. Mas se pensarmos na literatura, no cinema, nas artes em geral, veremos isso de modo mais extremado, decisivo: a tentativa de resistir à imperfeição criando outras perfeições, estas humanas. Mas, de fato, o que nos resta? O mundo fora da linguagem é um oceano sem fim; ele é uma passagem que pode nos entrangular com a força mais extrema, gerando os temores mais arcaicos e absurdos, viscerais, mas também uma espécie de fuga para o profundo, para um “disforme”, porém paradoxalmente “tudo” (no sentido de que uma experiência te toma “em bloco”), para a vibração espontânea dos afetos, misturados e agitados, sem controle. Mas não a perda de controle banal, tradicional, mas o por assim dizer a-controle. Após essa passagem, após esse trecho no “além da linguagem”, a própria linguagem volta diferente, se constrói diferentemente, acomoda as vibrações internas de outra forma, e assim a vida vai seguindo, de mergulho ao fundo do além-linguagem, no ‘imperfeito’, vamos dizer, e os períodos de calmaria, de apenas boiar de costas nas mesmas águas do oceano.

Edificar sobre a areia não é por acaso cultivar a espera do inesperado?

Querer dizer o indizível, pintar o invisível: provas de que a coisa, única, adveio, que outra coisa seja talvez possível. Nostalgias e esperas alimentam o imaginário cujas formas, murchas ou desabrochadas, substituem a vida: a imperfeição, desviante, cumpre assim, em parte, seu papel.

Vãs tentativas de submeter o cotidiano ou dele esvair-se: busca do inesperado que foge. E, todavia, os valores ditos estéticos são os únicos próprios, os únicos que, rejeitando toda negatividade, nos arremessam para o alto. A imperfeição aparece como um trampolim que nos projeta da insignificância em direção ao sentido.

O que resta? A inocência: sonho de um retorno às nascentes quando o homem e o mundo constituíam um só numa pancália original. Ou a vigilante espera de uma estesia única, de um deslumbramento ante o qual não nos encontraríamos obrigados a fechar as pálpebras. Mehr Licht!

A. Greimas, p. 90