O emprego

 

El Empleo / The Employment from opusBou on Vimeo.

O curta-animação argentino acima, que recebeu nada menos que 102 prêmios internacionais (inclusive no Brasil), foi idealizado por Patricio Plaza e dirigido por Santiago ‘Bou’ Grasso. Muito interessante, nos faz pensar na relação que estabelecemos com as outras pessoas quando, no trabalho, estas se tornam objetos.

O filósofo Yves Schewartz observa que o trabalho é uma forma de “uso de si”, por si mesmo em primeira instância, mas também (ou sobretudo) pelos outros. Estes nos utilizam quando trabalhamos: utilizam nosso corpo (no curta, as pessoas são usadas em diversas formas, inclusive como tapetes!), nossa criatividade, nosso esforço, em suma, nossa subjetividade.

Esse curta me fez lembrar de uma vez quando tive uma espécie de “insight”: dei-me conta de que tudo em meu apartamento poderia ser reconvertido em horas de trabalho de seres humanos que se dedicaram a produzir a mesa, as cadeiras, o sofá onde me sento, enfim, praticamente tudo utilizado por mim dentro de minha casa! Percebi como eu estava totalmente mergulhado no trabalho de outras pessoas…

Zoom

Seguindo na lista de filmes premiados no festival de Cannes deste ano, o segundo que assisti foi Árvore da Vida, escrito e dirigido por Terrence Malick. O longa é apresentado, pela crítica, como possuindo um tom existencialista. De fato, não espere encontrar nada convencional, com temáticas facilmente associadas ao banal (no sentido de comum). Nem linearidade. Cenas sem tempo cronológico exato, entrecortadas com níveis absolutamente distintos – por exemplo, nos primeiros 30 minutos, somos levados do trauma do casal O’Brien e com a perda de um de seus filhos à criação do próprio universo, Big Bang, formação do DNA (deduzo eu), aparecimento e extinção dos dinossauros.

É justamente essa oscilação de níveis, dimensões, temporalidades, que nos leva a pensar na efemeridade da vida, na luta de todas as espécies vivas deste planeta para se manterem. A espécie é apresentada ao nível de seus indivíduos (a vida é, sempre, individual). Há uma cena (para mim) forte em que um pequeno “dinossauro”, ao ver o outro deitado na água (ferido por um predador), pisa na cabeça deste e depois segue sozinho. Não há como não se lembrar de Darwin neste momento. Ou então a cena em que vemos o que seriam (suponho) explosões no núcleo do sol, e a majestade do universo, da formação de supernovas, a presença de galáxias… E ainda o encontro de lavra de vulcões com o mar…

Ao mesmo tempo em que tais cenas do universo e de nosso planeta são mostradas, seguimos com o micro-dilema da família O’Brien. Vemos, depois, o trauma do outro filho do casal persegui-lo durante toda a vida. Durante a história toda, segue firme a sensação de incompreensão, a pergunta lançada a Deus: por quê? O livro de Jó é evocado, quando Deus pergunta: “Onde estavas tu, quando eu fundava a terra? … Quando as estrelas da alva juntas alegremente cantavam, e todos os filhos de Deus jubilavam?” Como se sabe, Jó sofreu todas as provações possíveis de Deus para manter sua fé.

Gostei desse, digamos assim, “choque de perspectivas” que ele nos faz mergulhar. O efeito, no final, é uma estranha sensação de maravilhamento com a vida.

A bela adormecida

Assisti ao filme da diretora estreante, a canadense Julia Leigh: A bela adormecida (Festival de Cannes, 2011). Confesso que, diferentemente das várias críticas que li ao filme, ele me prendeu do começo ao fim e, privado de leitura técnica (por exemplo, sobre os planos extremamente longos, sobre a falta de atuação da atriz Emily Browning (a personagem principal), achei que se trata de um filme com certa complexidade.

Narra-se a estória de Lucy (Emily Browning), uma estudante que trabalha em vários empregos para conseguir pagar seu aluguel e se manter. Em raríssimos momentos a vida interna da personagem é trabalhada, mas dá para perceber que se trata de uma pessoa com vida afetiva praticamente plana – veja-se, por exemplo, o modo como ela trata seu próprio corpo (e não me refiro ao moralismo brega da prostituição)! Pois entre os empregos de Lucy, está o de uma espécie de “prostituta de luxo”, e este luxo aqui não deve ser entendido em sentido comum: ela aceita servir de “corpo adormecido” de homens com muito dinheiro e completamente vazios, cheio de memórias de esposas perdidas.

Lucy passa a trabalhar para Claire, uma cafetina absolutamente sui geniris: seus clientes pagam para ter uma noite com Lucy, podendo fazer tudo menos penetração. O detalhe: Lucy é drogada com um chá que a faz dormir tão profundamente que acorda no outro dia sem saber o que seus “clientes” fizeram com ela. O mais impressionante é a passividade extrema da personagem, ou sua profunda indiferença ao que lhe pedem. Senti por ela uma grande simpatia, apesar de seu aparente vazio (de fato, não se trata de um personagem complexo, denso, mas ainda assim desperta nossa sensibilidade). O corpo despido, sem mistérios, manipulado por um outro sem que haja sujeito a interagir, lembra muito um autômato – fazendo-me recordar do fantástico conto de E.T.A. Hoffmann, Os Autômatos. Além disso, Lucy, contrastada com os “homens sem virtudes” aos quais ela servia, parecia uma peça delicadamente frágil, um objeto, em sentido fetichista.

Em suma, um belíssimo filme, que me fez esquecer por uns instantes do lixo cultural que me circunda. Aliás, um lixo tão grande que só um antropólogo poderia me salvar!

Melancolia

Como já mencionei aqui antes, o último filme de Lars von Trier, Melancolia, narra a história do “encontro” do planeta Melancholia com a Terra, encontro esse chamado de A dança da morte. É um filme, portanto, sobre o fim do mundo, mas absolutamente diferente dos Doomsday Films que temos por aí. Não há alarde, notícias de TV, arrependimentos boçais ou lágrimas de crocodilo. O “apocalipse sereno”, digamos assim, se passa ao som de Tristão e Izolda, de Wagner.

O fim do mundo, ao estilo von Trier, é contato sob a ótica de duas irmãs, Justine e Claire. A primeira, com quem o diretor começa seu filme, é apresentada em seu casamento. Inicialmente, o espectador fica com a sensação de tratar-se de mais um evento feliz na vida de uma mulher; porém, à medida que a festa avança, vai ficando clara a desolação da personagem, incapaz de dar o passo necessário na farsa do matrimônio.

Aliás, os 10 primeiros minutos do filme, em aterrorizador slow motion, mostra, entre outras coisas, precisamente o peso, a dificuldade, de viver. Nestas cenas iniciais, parece-nos que um excesso de gravidade prende os personagens à terra, segurando seus movimentos (brilhante cena de Justine, vestida de noiva, sendo constrangida em seu movimento para frente).

Brilhante também é a mudança do humor de Justine: de deprimida (não sustenta seu casamento, terminando-o na mesma noite em que ela o celebra; abandona seu emprego, no qual havia, também durante seu casamento, sido promovida…) para uma personagem com brutal resignação quando descobre que o fim do mundo estava próximo. Frase forte dela: a vida na terra é má; em nenhum outro lugar do universo há vida, diz ela, e esta vida é desprezível. Nada mais anti-cristão. Nenhuma postura poderia ser mais negadora da vida, para dizer como Nietzsche.

Claire, em compensação, faz o percurso inverso: de irmã forte, vigorosa e fibrosa (é ela quem planeja e orquestra a festa de casamento da irmã), tão logo descobre o fim iminente, se torna desolada, amedrontada. Ela lamenta a perda da vida na Terra; onde seu filho viveria (ela tinha um filho)? É o futuro interrompido que a desola. O de seu filho, o seu. Por que tudo terminaria assim? Por quê?

O alívio diante do fim do mundo. A meu ver, esta é a mensagem desesperançosa de Lars von Trier. Um mundo que termina pelo encontro inexorável com a Melancholia. Nada de metafísica. É difícil, num efeito catártico, não se identificar com Justine. Acho que von Trier nos ajuda a ver o quão desolador, o quão anti-metafísica é a vida. Nenhuma sensibilidade cristã consegue ver isso; no fundo, a mística cristã nos faz acreditar num propósito, numa teleologia. Chorando ou serenamente, ambas, Justine e Clarice, enfrentam o fim de olhos abertos.

Warehouse 13

Para quem gosta de ficção científica, aqui vai uma dica. Trata-se da série da SyFy norte-americana chamada Warehouse 13, ou Depósito 13. A história, que em 2012 vai para sua 4 temporada, gira em torno dos agentes Pete Lattimer e Myka Bering, os quais têm a missão de buscar e recuperar objetos com poderes paranormais. Uma vez encontrados, tais objetivos devem ser catalogados e arquivados no Depósito 13.

Venho assistindo à série desde o primeiro episódio e, como toda história com muitos episódios, há altos e baixos. Alguns dos últimos da 3 temporada pareciam implausíveis demais, mesmo para um estilo ficção. Mesmo assim, é divertida e nos ajuda a passar um bom tempo descontraídos. Um dos pontos fortes é a rapidez e agilidade com que os episódios são filmados (às vezes para compensar, penso eu, a pobreza do texto – mas não vamos ser críticos aqui, certo?).

Se pensarmos bem, os objetos de nossa vida cotidiana têm algum poder sobre nós – evidentemente, não paranormal ou sobrenatural (como em Warehouse 13), mas um poder semiótico: eles concentram memória: de um lugar, uma pessoa, uma perda, um ganho, uma escolha, um erro, um acerto. Objetos nos rodeiam e são uma extensão de nós – ou nós deles! Ofuscados pela sua cotidianidade, passam, na maior parte do tempo, desapercebidos por nós, mas estão sempre aí.

Objetos podem assumir o que Winnicott denominava de uma propriedade transicional, fazendo a ponte entre a ilusão e a realidade. Tudo tem a ver com as primeiras experiências de vínculo da criança: uma vez notando que a mãe não é parte dela, cria uma ilusão de sua presença – por exemplo, agarrando-se a um cobertor ou ursinho de pelúcia. Desenvolvemos, vida afora, nossos apegos a objetos transicionais. Eles constituem áreas intermediárias entre nosso mundo interno e o mundo externo, objetivo.

Warehouse 13 explora justamente essa relação subjetiva-objetiva entre nós e nossos objetos. Mostra o quão grande é a dependência do humano dos objetos que eles próprios criam. Para quem quer descontrair um pouco, e não se envergonha de algumas “catarses” vez ou outra, é um bom passatempo.

 

Lars Von Trier

O diretor Lars Von Trier, que causou polêmica esta semana em Cannes por insinuar “simpatia” por Hitler, está lançando seu novo filme, Melancolia. Aqui vai o trailer, ficando eu na expectativa do lançamento (previsto para agosto no Brasil).

 

América profunda

Assisti ao filme “Inverno da alma”, com a belíssima atuação de Jennifer Lawrence, que faz o papel de uma adolescente de 17 anos que, devido ao abandono do pai (preso por envolvimento com drogas), tem de cuidar de dois irmãos menores e da mãe demente. Para piorar, Ree (a personagem de Lawrence) recebe a notícia de que ela e sua família teriam de deixar a casa em que viviam, pois o pai a havia alienado em garantia de dívida. A partir disto, ela se coloca imediatamente a buscar os rastros do pai, até que descobre uma “verdade submersa” sobre ele, digamos assim.

Trata-se de uma América profunda. Não daquela “high tech”, vendida frequentemente nos filmes vindos dos EEUU. A trama é ambientada em uma região pobre e, muito certamente, esquecida do país. Não há referência temporal nem social, de modo que a única coisa a que temos acesso são pessoas lutando pela sobrevivência (por exemplo, Ree e seus irmãos caçando esquilos para poder comer), incluindo o tráfico de drogas.

Chamou-me a atenção o respeito de Ree e de seus irmãos pelos animais. O filme é repleto deles: cavalos, cachorros, gatos… Em dado momento, Ree ao que parece sonha com a destruição da pouca dezena de árvores já antigas que tinham aos redores de sua casa. No mesmo sonho, esquilos são mostrados fugindo, desorientados com a destruição e queima das árvores. Talvez um “paralelo” com o abandono dela própria.

Outra coisa que chama a atenção é a presença igualmente forte de mulheres. Em diversos momentos, pareciam ser elas as verdadeiras “agências” da ação, ou seja, quem faziam as coisas acontecerem (veja-se que o pai de Ree foge de casa, não consegue “sustentar” o lugar de “pai” e marido). As mulheres ficam.

Não há lugar para riso no filme, apesar de haver uma certa “sensibilidade” implícita, mesmo nos personagens mais violentos. Por fim, fica uma reflexão no ar sobre o que é ser adulto. Só como provocação, adolescentes hoje em dia, aos seus 17 anos, não fazem muito mais do que frequentar shoppings e se achocoalharem nas melodramáticas descobertas amorosas. Lógico que, para tornar-se adulto, não é preciso passar por situações-limites, ou por “queimas de etapa” no ciclo normal (=classe média) do desenvolvimento.

Provavelmente, não precisamos ir muito longe. Aqui mesmo, no grande Brasil, muitas adolescentes devem ser iguais à Ree, construindo alguma base ética em meio a existências materiais bem cinzas.

Tetro e o despotismo do pai (e da crítica)

O novo filme de Coppola, Tetro, tem recebido uma avaliação negativa da crítica no Brasil. O diretor de O poderoso chefão teria “deixado a desejar” com este seu novo filme. A crítica sintomatiza, portanto, certo desapontamento, certa frustração.

Assisti ao filme e, honestamente, achei-o muito bom. O argumento gira em torno da questão do pai – neste caso, de um “poderoso pai” que, vaidoso e narcisista, não deixava espaço para a família. Tanto é que seu filho, Tetro, não conseguindo afirmar-se perante ele, abandona o lar e tenta reconstruir sua vida em outro lugar. O irmão de Tetro, Bennie, é quem alimenta o enredo. Partindo dos EUA, vai à Argentina reencontrar o irmão iconoclasta. A partir daí segue-se uma estória de reconstrução dos vínculos entre os dois personagens.

Voltando à crítica do filme. É claro que críticos profissionais têm critérios distintos dos meros apreciadores (“amadores”) de uma obra (por exemplo, vi um que apontava falhas no uso do preto-e-branco e do colorido no filme). Contudo, dizer que Coppola, ensaiando um projeto marcadamente autoral e genuíno, “deixou a desejar”, me parece um disparate.

Bom, é contigo dizer. Fiquei tocado pelo longa – vai ver que sou bem “naive”. Como disse Tetro à mais importante crítica de cinema da América do Sul: “sua opinião não me importa mais”. E, para os psicólogos de plantão, às vezes, quando se diz isso, não se quer dizer “onipotência”!

O Cisne negro – imperdível

Acabo de assistir ao filme O cisne negro (2011), estrelado por Natalie Portman. Trata-se da história de Nina (Portman), uma bailarina cuja vida é totalmente consumida pela dedicação à arte do balé – e mais do que isso: pela obsessão pela perfeição.

Nina faz parte de uma companhia de balé de NY em que o papel da bailaria principal (Winona Ryder) acabara de ficar vago – precisamente o do cisne, na peça “O lago dos cisnes”. Nina é a escolhida por seu ponto forte: a capacidade de interpretar o cisne branco (gracioso, inocente…). Mas seu ponto fraco é a dificuldade de interpretar o cisne negro (astucioso, sedutor). Uma colega de Nina, Lily (Mila Kunis), personifica o cisne negro, o que é suficiente para disparar uma rivalidade destrutiva entre ambas.

O filme narra a transformação de Nina a partir de sua “incorporação” do personagem do cisne negro (ou das características que seriam capazes de suportá-lo). Trata-se de um pesado enredo psicológico que mistura fantasia e realidade. Ao final, fica-se com a impressão de que uma vida inteira vale por um ato de perfeição – a incorporação plena do papel do cisne negro às custas da própria vida do personagem.