Colonização do RH no Brasil

Ainda seguindo com as indicações, gostaria de fazer mais uma. Trata-se de artigo publicado por Thomaz Wood, Maria J. Tonelli e Bill Cooke, sobre a colonização da área de gestão de pessoas no Brasil ao longo de vários períodos-chaves do desenvolvimento de nosso país. Vale muito a pena para quem trabalha ou estuda as questões de Recursos Humanos.

É interessante dizer que a RAE, onde o artigo foi publicado, comemora 50 anos, sendo a revista de Administração mais antiga do Brasil, ao menos das que publicam ininterruptamente. O layout dos artigos foi alterado, ficou bem mais moderno e “clean”. Já recomendava antes, agora recomendo mais ainda, esta importante revista, onde tive a oportunidade de trabalhar alguns anos atrás.

Resenha na RAE

Acaba de ser lançado o número 3 da RAE-Revista de Administração de Empresas, da FGV-SP. Nela, há uma resenha de um livro organizado por minha colega Lis A. Soboll e eu (Clínicas do trabalho). Reproduzo a referida resenha abaixo, para os interessados.

Reconhecimento no trabalho

Tornou-se uma “febre” na atualidade a idéia de que as pessoas se desmotivam quando não são reconhecidas no trabalho. Os manuais de gestão mais atualizados trazem diversos diagnósticos e prescrições para que os gestores saibam como reconhecer e retribuir a contribuição trazida pelas pessoas à organização do trabalho. E também para que saibam como e por que é importante “reconhecer as pessoas como pessoas”, ou seja, em parte independentemente do que estas aportam à organização.

Teorias sobre reconhecimento vêm sendo discutidas nas clínicas do trabalho desde, pelo menos, os anos de 1980. C. Dejours, o importante criador e disseminador da abordagem conhecida como psicodinâmica do trabalho, está entre os mais clássicos. Para Dejours, o reconhecimento é condição necessária para que o sofrimento, que é inerente à experiência de “fracasso” originária do confronto do sujeito com o real do trabalho, transforme-se em prazer. Além disso, é pela gramática do reconhecimento que as pessoas têm noção de sua utilidade para a organização e também de seu pertencimento a um coletivo de trabalho.

Uma coisa eu gostaria de destacar aqui em relação a este tema, inspirado justamente em Dejours. Até que ponto podemos confiar no reconhecimento dos usuários finais de nosso trabalho? Por exemplo, clientes, no caso de um atendente; alunos, no caso de um professor; pacientes, no caso do médico? Por mais que seja politicamente correto dizer que os clientes ou usuários têm algo de importante a dizer sobre o valor do que fazemos, fato é que este tipo de reconhecimento não é jamais suficiente para construir nossa identidade profissional. Por quê?

Porque os usuários/clientes nem sempre (se é que o fazem alguma vez, a sério mesmo) estão preocupados com o desenvolvimento do ofício ou do trabalho: seu objetivo é mirar na satisfação. E, quando julgamos as coisas pelo critério da satisfação, tudo fica relativamente subjetivo: se não gostarmos; se, como no caso da docência, o aluno não “se sentir motivado”, ou, no caso do cliente, se o “atendente não for simpático e me bajular”, eu o avalio mal, eu não o reconheço. Tanto isso é verdade que, em geral, índices de satisfação oscilam de modo bastante expressivo dependendo do que se introduz na relação de serviço em questão (exemplo: professores cobrando mais numa prova, por exemplo).

Só quem fica no trabalho durante algum tempo, ou seja, só o trabalhador e seus pares, que vivenciam, na pele, cada envergadura do real de trabalho, é quem pode, legitimanente, completar o círculo do reconhecimento. Assim como os superiores, os encarregados, os gestores desses trabalhadores. Pacientes curam-se e vão embora; clientes vêm e vão da loja ou do serviço; alunos vêm e vão. Mas nem sempre estamos preparados, como trabalhadores, para avaliar justa e visceralmente o trabalho que realizamos. Fraquejamos, somos inseguros.

Yves Clot, por exemplo, outro pesquisador importante do campo das clínicas do trabalho, vai ainda mais além: para ele, sequer o reconhecimento pelos pares (interpessoal) é suficiente: é preciso reconhecer-se pelo trabalho bem feito, no âmbito do próprio ofício. Inspirado em Bakhtin, Clot observa que, ao trabalhar, precisamos ter um “destinatário de confiança” ao qual endereçar nossa atividade. Para ele, tal destinatário é justamente o ofício, nosso compromisso transpessoal com a transmissão, o avanço e a existência de uma memória coletiva de gente que vê a sério o objetivo de transformar o real.

Universidades brasileiras: documentário

O Jornal da Globo realizou um documentário, dividido em três partes, sobre a situação das universidades brasileiras diante da crescente demanda (e acesso) ao ensino superior no país.

O primeiro episódio pode ser conferido aqui.

O segundo, aqui.

E o terceiro, aqui.

Vale a pena assistir, especialmente porque ali se discute, entre muitas coisas, o abandono que ainda pode ser observado das Universidades públicas.

Bullyng acadêmico

Não conheço nada a fundo sobre bullyng, mas tenho a impressão de que poderia usar essa categoria para falar da situação, já por demais debatida, da “luta por publicação” em que vivemos hoje no país. Poderia, talvez até ingenuamente, dizer que um pesquisador/professor que não publica “oceanicamente” (ou seja, em grande quantidade) é uma presa certeira de bullyng. Colegas mais produtivos poderiam, mesmo que não seja politicamente correto, olhar de canto de olho, com certa hipocrisia, sobre a má sorte ou a má vontade de quem está na lanterninha da produção acadêmica.

Ora, o bullyng, ao colocar no centro a relação entre uma maioria e uma minoria psicológicas, realça uma dimensão importante da própria existência social humana: a dificuldade de lidarmos com o desviante. Em termos sociológicos, o desviante é sempre uma matéria relativa, dependente dos padrões instituídos por um grupo (maioria psicológica). Há espécie de anomia, no sentido inverso ao dado a este termo por Durkheim, quando as regras dominantes de um grupo não são respeitadas e seguidas (para o sociólogo francês, a anomia é quando as regras sociais não conseguem regular os comportamentos individuais).

Talvez o bullyng sempre tenha existido. Ele existe sempre que há desvio em relação à tendência central, mesmo que, e isso é importante, tal centralidade diga respeito a uma minoria quantitativa de pessoas (acho genial a idéia de minoria e maioria psicológicas, no sentido dado por Kurt Lewin na psicologia social). No caso da produtividade acadêmica, é estampado para quem quer ver o quanto há um clima de pressão velada para classificar, sem grandes dores de cabeça moral, quem produz muito de quem não produz (nada ou pouco).

Nesse contexto, é interessante um exercício mental fictício: imagine que o pesquisador X deixe de existir (todos somos humanos, certo?); por quanto tempo ele será lembrado? Claro que isso é muito relativo, mas, a julgar por regras atualmente em uso em certas disciplinas (como é o caso da psicologia, por exemplo), de que boa parte de sua lista de referências bibliográficas não deve ser mais velha do que 5 anos, talvez o nome do pesquisador X seja lembrado por 5 ou 10 anos. Creio que foi o imperador Marco Aurélio (foto acima), do imponente Império Romano, quem certa vez disse: Logo, esquecerás tudo: logo, todos te esquecerão.

Significado do trabalho nas indústrias criativas

Acabo de disponibilizar artigo escrito por mim e pelo prof. Jairo Eduardo Borges-Andrade e publicado no último número da RAE-Revista de Administração de Empresas, da FGV-SP, sobre significado do trabalho nas indústrias criativas. Ele pode ser acessado na seção textos de minha homepage. A seguir, você pode ler o respectivo resumo.

Significado do trabalho nas indústrias criativas
Estudos sobre o trabalhador nas indústrias criativas ainda são escassos na literatura científica da administração. Esta pesquisa buscou contribuir para a superação dessa lacuna ao estudar o significado de trabalho para profissionais que atuam nessas indústrias. Traduzimos e adaptamos um instrumento canadense de mensuração desse constructo, o qual foi aplicado a 451 indivíduos de diversas indústrias criativas no Estado de São Paulo. Os dados foram analisados estatisticamente por meio de técnicas psicométricas e de comparação e associação entre médias. Os resultados mostram que os fatores mais associados a um trabalho que tenha significado para esses indivíduos são: a possibilidade de aprender e se desenvolver pelo trabalho, sua utilidade social, a oportunidade de identificação e de expressão por meio dele, autonomia, boas relações interpessoais e respeito às questões éticas. O artigo conclui com algumas implicações desses resultados para a literatura sobre indústrias criativas e significado do trabalho.

Um jeito alternativo de fazer POT (1)

Semana passada, recebemos aqui em Natal a visita da profa. Dominique Lhuilier. O encontro foi bem simpático e instrutivo, pois ela é uma grande divulgadora das Clínicas do Trabalho, sobre cujo tema organizamos um livro no ano passado. Pela correria da vida cotidiana, acabei deixando de registrar aqui alguns dos principais temas abordados por ela em suas várias intervenções junto ao nosso grupo, o GEST. Para contornar essa ausência de comentários e reflexões, gostaria de citar dois de tais temas.

Em primeiro lugar, Mme. Lhuilier nos lembrou, fazendo eco a certa tradição clínica, de que podemos optar ou por: 1) pesquisar/intervir SOBRE outras pessoas/trabalhadores, ou 2) pesquisar/intervir COM outras pessoas/trabalhadores. O primeiro caso é bem conhecido: trata-se sempre daquelas situações em que o pesquisador vai “a campo”, aplica um questionário ou realiza uma entrevista, e só mais distantemente retorna ao campo com os resultados (em geral, na forma de artigos ou de seminários).

O segundo caso, quando intervimos COM, depende de uma inversão na relação entre sujeito e “objeto” do conhecimento: o trabalhador, neste caso, não é um informante (no sentido de que dá ao pesquisador uma informação SOBRE sua atividade, trabalho ou comportamento), mas um agente cujas ações se esperam que o pesquisador compreenda e o ajudem a explicitar – porém, sempre a partir de si e para si. Trata-se, aqui, de uma postura a que poderíamos denominar de clínica – ou, mais tradicionalmente, de um desenho de pesquisa-ação, um pouco (mas só um pouco) esquecido no campo da POT – Psicologia Organizacional e do Trabalho brasileira.

É importante observar que AGIR COM não se iguala a um formato de intervenção este sim bem comum: o de consultoria. Aqui aparece um segundo tema abordado por Mme. Lhuilier: quem AGE SOBRE a atividade do trabalhador nem sempre recebe deste último uma demanda espontânea de ação. Neste caso, trata-se do que Mme. Lhuilier denomina de “comanda” (no sentido de uma ordem, de um pedido, de uma “injunção” – por exemplo, um gestor “comandando” a um consultor que este “resolva” problemas nas relações de trabalho que estão a prejudicar o desempenho da organização).

Já a “demanda” (por contraposição à “comanda”) depende de o coletivo de trabalho solicitar a ajuda ou intervenção de um consultor ou psicólogo. E isso mesmo para os contextos tradicionais de nossas organizações, pois os gestores, que, num primeiro momento, podem estar do lado da “comanda”, num segundo, graças ao trabalho de interpretação da situação pelo pesquisador, passa para o lado da demanda: percebendo, efetivamente, o ganho mútuo.

Enfim, duas coisas me chamaram a atenção a partir das reflexões da profa. Dominique Lhuilier sobre estes dois temas: primeiro, que, ao contrário do que eu costumava pensar, é, sim, possível realizar “clínica do trabalho” em contextos organizacionais stricto sensu (empresas capitalistas). Segundo, que realizar pesquisa COM os nossos “sujeitos” (que, aliás, deixariam de serem vistos desta forma) é um desafio ético (e político) bastante intenso.

Indústrias criativas – novidades

A Folha de S. Paulo publicou ontem matéria especial sobre as indústrias criativas. Trata-se de um setor que, há vinte anos, tem reaquecido o debate em políticas públicas e economia cultural ao redor do mundo.

Aproveitando o ensejo, acabo de atualizar minha homepage, onde inseri dois relatórios que produzi sobre Indústrias criativas (características organizacionais e da indústria), significado do trabalho, identidade profissional e carreira para profissionais criativos. Pesquiso com este tema há pouco mais de 4 anos, de modo que já tenho algo que divulgar.

Os relatórios, subsidiados pelo GVPesquisa, da FGV-SP, podem ser acessados a seguir.

Estudo exploratório sobre indústrias criativas no Brasil e no Estado de São Paulo

Análise do mercado de trabalho e carreira nas indústrias criativas do Estado de São Paulo

Desativando as humanas?

“Você foi desativado!”

Precarização dos professores e declínio das humanidades na universidade

Poderíamos pensar que esta fórmula era uma invenção de George Orwell… Engano: ela é, na sua brutalidade lacônica, a mensagem em “nova língua” administrativa que os sete professores do Departamento de francês da Universidade do Estado de Nova York (SUNY) em Albany acabaram de receber da Presidência de seu estabelecimento. Cada um deles possuía, no entanto, o que se chama nos Estados Unidos de “tenure”: eles pensavam ser beneficiários de uma segurança absoluta no emprego. Aos mais velhos, aconselhou-se uma aposentadoria antecipada; aos mais jovens, “de perseguir sua carreira em outro lugar”. Aos primeiros como aos segundos, nenhum erro profissional lhes foi advertido: eles foram tratados como engrenagens de uma máquina que, deixando de ser rentável, é simplesmente desligada. Não há “desativação” sem desumanização prévia. Estamos mais uma vez no horizonte antecipado por Orwell.

O que acaba de se produzir em Albany, para além das conseqüências humanas em relação às quais é impossível ficar insensível, revela tendências gerais extremamente preocupantes que hoje afetam em profundidade o ensino superior nos Estados Unidos. Com respeito a isso, existem na França tenazes ilusões de ótica: vislumbra-se apenas a vitrine superexposta dos estabelecimentos de excelência de Shanghaï, enquanto ignora-se a face mais obscura de uma multitude de universidades anônimas que se ocupam entretanto da grande maioria da população de estudantes.

Este setor é hoje gravemente ameaçado por uma reestruturação econômica e intelectual brutal: as “desativações” praticadas à SUNY testemunham a severidade dos cortes orçamentários que liquidam os domínios considerados menos rentáveis (os programas de francês, de italiano, de russo, de teatro e letras clássicas foram simultaneamente riscados do mapa), enquanto o emprego se precariza massivamente. Não há mais do que 35% de professores titulares ou em vias de se tornar titulares nas universidades norte-americanas, no mesmo passo em que se desenvolve um corpo de professores auxiliares (adjuncts), precários e nômades, cuja existência de desenrola sob as rodovias que os conduzem de uma universidade à outra, e de uma sala de aula à outra. Segundo dados apresentados por Mark Bousquet (2008) e Frank Donoghue (2008), a porcentagem de auxiliares passou, para o conjunto da universidade americana, de 40 a 65% nos últimos 30 anos. É dessa maneira que é preciso entender o sentido literal do conselho dispensado pela direção de SUNY Albany: “vá perseguir sua carreira em outro lugar”, em outras palavras, atrás de um volante.

A universidade, nos Estados Unidos, foi remodelada logo após a Segunda Guerra Mundial segundo as normas da empresa americana (Lindsay Waters, 2009), conservando ainda assim duas “anomalias” históricas, estranhas à cultura de empresa, e herdadas da tradição universitária européia: a segurança no emprego (a tenure) e um setor importante de atividades intelectuais não diretamente orientadas para o lucro (as humanidades). Estas duas “anomalias” estão em vias de ser “retificadas” sob os nossos olhos. A segurança no emprego está lentamente, mais inequivocamente, desaparecendo da universidade americana, e, junto com ela, a erosão generalizada das proteções individuais que exige hoje o neoliberalismo. Quanto às humanidades, a brutalidade das medidas adotadas pela Presidência de SUNY Albany tem, paradoxalmente, um grande mérito: aquele de ter demonstrado o que poderá se tornar uma realidade banal para as universidades, no âmbito das quais, um belo dia, as humanidades deixarão de serem ensinadas. E onde, junto com elas, as ficções imaginadas por Orwell cairão no esquecimento…

Autores:
Jean-Jacques Courtine
Professor à l’Université de la Sorbonne Nouvelle (Paris III)
Professor Emeritus, University of California at Santa Barbara

Claudine Haroche
Directeur de recherches au CNRS

Tradução:
Mariana Côrtes
Doutoranda à Universidade Estadual de Campinas

Bibliografia:
Mark Bousquet, How the University Works. Higher Education & the Low-Wage Nation, New York, NYU Press, 2008.
Frank Donoghue, The Last Professeurs. The Corporate University & the Fate of the Humanities, New York, Fordham University Press, 2008.
Lindsay Waters, L’Eclipse du savoir, Paris, Allia, 2009.

Via Psicossocial [blog]

Teoria e prática: a visão dos estudos organizacionais

Reproduzo aqui parte de uma curiosa mesa redonda, coordenada pelo prof. Clóvis Machado (falecido ano passado), em que ele, Carlos Bertero, Miguel Caldas (o trecho de quem reproduzo a seguir) e outros discutem a relação entre teoria e prática no âmbito dos Estudos organizacionais. Creio que é uma discussão muito pertinente para outros campos, especialmente aplicados, como é o caso da Psicologia das Organizações e do Trabalho.

O evento teve lugar no encontro de 2008 da ANPAD.


Painel Teoria e Pratica nos estudos organizacionais parte 3
Enviado por admeorg. – Análises sobre tecnologia e novos vídeos sobre ciência