Lançamento

Nesta semana, finalmente foi concluída a produção do Dicionário de Psicologia do Trabalho e das Organizações, uma obra em que Jairo e eu estivemos envolvidos desde 2010. Acho que será uma importante contribuição para área da POT em nosso país.

Os interessados podem adquirir, por enquanto, clicando na figura abaixo.

Professor, pesquisador, profissional

Será que ser pesquisador de psicologia equivale a ser professor de psicologia? E quanto a ser um profissional de psicologia? Acredito que não sejam as mesmas coisas. Correspondem, as três, a papéis distintos, com impactos diferenciados em termos de aprendizagem.

O pesquisador olha para um fenômeno e se pergunta: por que ele ocorre? Quais forças o determinam? Como pensar em sua evolução/desenvolvimento ao longo do tempo? Para tudo isso, deve colocar tal fenômeno contra o pano de fundo de uma teoria, e, com esta, fazer uma opção pelo seu entendimento do real. A pesquisa é lenta, segue um ritual próprio.

O professor, em seu turno, é um transmissor do saber estabelecido. Não significa, como alguns pensam, que apenas reproduz, repete. Pode até acontecer, mas, efetivamente, não precisa ser assim. Quem já deu aula e levou esta atividade a sério sabe que é, sim, possível produzir conhecimento à medida que se fala sobre um assunto, que se interage com o aluno. Uma aula bem dada, num bom entrosamento aluno-professor, permite grande aprendizado – ainda mais para o professor, um ser cuja ação é, sobretudo (nas humanas), linguística.

E o profissional? Este deve lidar com problemas práticos, determinados por diversas forças: econômicas, políticas, institucionais, pessoais, interpessoais. A realidade se apresenta ao profissional como um caos relativamente organizado, mas, ainda assim, problemático. O profissional muitas vezes não tem tempo para “rever a literatura” para saber o que outros fizeram ou recomendam que se faça para o melhor resultado. Profissionais atuam no âmbito do cotidiano, e este é totalmente indiferente a matrizes teóricas, epistemológicas, etc.

Para mim, há um salto imenso do pesquisador para o profissional. Em ciências humanas, dizer que a pesquisa “sustenta” a prática do profissional é, no contexto brasileiro, uma ignorância. Uma inverdade. Ao mesmo tempo, poucos profissionais realmente pensam suas práticas; poucos têm o espírito e a disposição para ver a realidade e suas “demandas” com o olhar de quem hesita (diante do saber). A difusão da pesquisa para a prática é, institucionalmente falando, uma piada. Não é à toa que universidades se fecham em si mesmas.

Uma saída é o pesquisador vivenciar outros papéis – de parceiro do profissional, por exemplo – mesmo com as dificuldades acima apontadas. Há riscos: o pesquisador-consultor; o pesquisad0r-palestrante; o pesquisador-vedete. Seja com for, há necessidade de outras competências: um ótimo pesquisador, entre quatro paredes de uma sala de aula de pós-graduação, se reduz a pó quando não consegue articular capital (humano, social, político, etc.).

Da pesquisa à ação: única via?

No Brasil, é fato que as universidade federais e estaduais, em suma, públicas, são os principais atores a investir na pesquisa. As empresas o fazem pouco, se é que o fazem.

Ao mesmo tempo, é também crítico o distanciamento entre pesquisa e ação. Hordas de estudantes vivem a levantar a voz contra a universidade, pois estas “focam demais” na pesquisa. Desinvestem do ensino, fazem pouco caso da prática.

“Prática” é uma das palavras mais ambiguas que existe. Depende muito da interpretação. Para uns, refere-se às “demandas do mercado”; para outros, à ação propriamente dita, implicada em cada nicho profissional.

Ora, pesquisa, em algumas áreas, tem conexão imediata com a prática. Por exemplo, pesquisa básica pode, com o tempo, gerar subsídio para o desenvolvimento de novas tecnologias com impacto na vida cotidiana.

Mas o que dizer das “ciências humanas”, onde incluímos a psicologia?

Na psicologia, a coisa parece mais complicada, pois nem sempre se vê o “nexo causal” entre pesquisa e prática. Esta segue lógica distinta da lógica da pesquisa: a prática acontece; a pesquisa é (quase) sempre uma rememoração da prática passada.

O aluno, quando está em estágio, se angustia porque a pesquisa parece pouco lhe assistir diante de demandas concretas. Muitas vezes, é ao senso comum, ao “bom senso”, que acaba tendo de recorrer. O senso comum/bom senso reage rápido; resolve (ou faz de conta).

Em tese, a ação do psicólogo profissional (e de outros) deve se basear em evidência. Deve levar em conta o conhecimento disponível, que propõe conexões entre fenômenos. Assim, se um professor tem um aluno que “não aprende”, um laudo psicológico é, frequentemente, demandado. Com o laudo, que se faz com base em “ciência”, o psicólogo profissional saberá instruir seu “cliente” (o professor, por exemplo).

Na prática, as coisas não funcionam assim. Na prática, a interpretação da ação recorre a outras fontes, principalmente a fontes tácitas, decorrente de internalização de saberes psicológicos (no exemplo, sobre o processo de ensino-aprendizagem). Em cada interpretação, um projeto de ação se configura.

Na prática, o conhecimento não nos assiste integralmente. Precisamos nos arriscar: arriscar a nos colocar como “agentes”, como elemento terciário nas relações (educacionais, profissionais, de saúde, etc.).

No fundo, as coisas elementares são, como sempre, simples: tudo pode ser reduzido a “acontecimentos”,  a circunlóquios diante do “real” (sempre se nota tal “real” quando estamos diante de problemas ou desencaixes práticos). Como vamos “lidar” com tais acontecimento, eis aí outra questão.

No fundo, nossa vida cotidiana, as entranhas do funcionamento de nossas instituições, é baseada na premissa de uma racionalidade mínima, enchuta. Porém, ela é frágil, delicada, limitada. No fundo, giramos todos em volta de tentativas, discursos, falas, interpretações. Não há, a desgosto dos obsessivos, nada a garantir uma conexão essencial entre fatos, entre “práticas”.

Sistemas peritos são, como dizia Giddens, assentados na base de profunda confiança, uma confiança ontológica. Mas eles nos desapontam. Mesmo a pesquisa, mesmo ela não é uma única (ou privilegiada) forma de regulação/organização do real.

Quem vai dizer isso a nossos pesquisadores?

Crowdfunding científico

Tempos atrás noticiei aqui sobre a prática do crowdfunding para promoção de eventos culturais. Agora, ela chegou à ciência. Em uma interessante matéria do blog de ciência da Revista Piauí, Bernardo Esteves mostra como, mesmo aqui no Brasil, a prática se insinua. É como se fosse uma espécie de CNPQ pulverizado, cada um de nós ocupando o lugar de nano-investidores a fundo perdido de projetos cujo interesse depende, penso eu, da capacidade de “venda” de seus propositores (veja dois vídeos disponíveis na matéria).

É mais ou menos assim. Eu, que atualmente pesquiso empreendedorismo nas indústrias criativas, faria um vídeo no qual apresento as vantagens de alguém investir na minha pesquisa, como citação do nome em produtos de divulgação (imagine: no artigo fruto da pesquisa, uma nota de rodapé listaria todos os “patrocinadores” da pesquisa, em vez do CNPQ, CAPES ou FAPEs estaduais…). A idéia é interessante, pois, se pararmos para pensar, o dinheiro de agências de fomento provém, em sua totalidade, do governo – que, obviamente, o obtém junto à sociedade. Portanto, em vez de delegar a um ou outro órgão a decisão sobre o “onde” investir (geralmente, tais órgãos mencionam questão de “interesse nacional”…), o próprio “contribuinte” pode decidir onde investir. Claro que isto traz riscos, por exemplo, como controlar/monitorar o destino do dinheiro? Superada essa dúvida “prática”, a iniciativa é interessante, e põe em evidência uma questão central, concernente aos propósitos e aos interesses de se realizarem determinadas pesquisas. Dá o que pensar.

História da ciência

No mundo acadêmico das Ciências Humanas, há certo torcer de nariz anti-realista, segundo o qual a história da ciência é uma narrativa de caçadores de fatos e do “real”. Critica-se tal empreitada como sendo realista demais, positivista demais (embora a maioria não saiba, de verdade, explicar, filosoficamente, em que consiste o positivismo…). Mas não há como negar que estamos onde estamos, com todas as mazelas e consequencias disso, graças, em parte, à ciência como um dos mais notáveis empreendimentos humanos.

Uma interessante série da BBC de Londres faz um resgate da história da ciência, notadamente a ciência “dura”, dedicada à descoberta dos “segredos da natureza” – quem somos, por que estamos aqui, de que somos feitos, para onde vamos.

Uma coisa me chamou a atenção: por que a religião, desde tempos imemoriais, é uma das mais “preferidas” formas de explicar tais questões? Sendo muito simplista, eu diria que a religião é uma forma fácil de explicar a vida; ela não depende de pesquisa, de audácia, de trabalho em conjunto com outras pessoas, de criatividade, inovação, curiosidade, sofrimento. A religião faz de nossa vida neste planeta uma história encantada, o produto de um “pensamento oceânico”, para dizer como Freud. Aliás, foi Freud, como também Marx, quem nos alertaram para as armadilhas do pensamento religioso.

Quem se dedica um pouco à compreensão da história da ciência descobrirá que há muito mais do que fé na compreensão dos mistérios deste universo e de nossa vida nele, embora haja, de fato, uma parcela de fé mesmo na ciência mais “radical”. De todo modo, recomendo a série cujo primeiro episódio sinalizo a seguir.

Competência sem compreensão

Interessante fala do prof. Dennett sobre a “inversão” criador-criatura!

Publicação de artigos

Professor Gilson Volpato (UNESP) discute os principais motivos de rejeição de manuscritos em revistas científicas de alto nível. Apesar de transparecer um modelo muito específico de ciência na discussão do prof. Volpato, o qual muitas vezes não se aplica a diversas áreas de Psicologia, ainda assim vale a pena conferir, pois há dicas importantes de redação científica.

Precisamos transformar TUDO em fato científico? Só os obsessivos…

Max Weber disse, no início do século passado, que os empreendedores capitalistas (na ocasião, ele se referia aos norte-americanos), não iriam parar até que o último combustível fóssil deste planeta fosse queimado. Estou parafraseando. O contexto do argumento era o capitalismo. A analogia serve para pensar em algo semelhante, porém não na esfera da economia: a ciência não faz a mesma coisa? O desejo de explicar tudo, de transformar tudo em um “fato científico” parece não ter medida.

1. Primeiro, pensemos no mundo pequeno da pesquisa: todo aluno que deseja fazer mestrado ou doutorado tem de “descobrir um tema” para pesquisar. Vale tudo: a engrenagem teórica tritura tudo o que encontra pela frente. Na psicologia, se você é um afeito à psicanálise, você pode querer explicar desde porque crianças não tomam leite ou gritam demais até porque as pessoas não obedecem a lei ou são violentas. Se você é um comportamentalista, pode querer entender desde a vida das formigas, macacos e outros animais até porque suamos frio quando ouvimos o sino da igreja tocar em um sábado à noite. Exagero, simplificação minha, mas o ponto está correto: tudo vira fato científico. Quem é que já não presenciou o desespero dos jovens que entram para um mestrado, antes de se tornarem “estáveis” em algum nicho disciplinar?

2. Tornar tudo passível ser pesquisado, escrutinado, explicado, é, mutatis mutantis, semelhante ao que faz um pensamento religioso ingênuo: tudo é explicado recorrendo a Deus. Chouveu? Foi porque Deus quis; o dia amanhece, a noite cai: Deus quis. E assim por diante. O desconforto é incalculável para o devoto alienado que não consegue encontrar no mundo senão a teleologia divina. O cientista alienado, idem. Seu desejo de saber, de dominar, de prever, pode não alcançar fim. Cientistas, na versão caricata do indivíduo que vê o mundo como um laboratório, tem uma curiosidade obsessiva. Ou então é um competente e disciplinado agente capaz de transformar o mundo físico em nosso benefício. De fato, o que seríamos sem eles? Provavelmente, um bando de bípedes sem penas caçando com lanças primitivas.

3. O que é um fato científico, pensando, particularmente, nas ciências humanas? O que pode ser passível de ser explicado, convertido no jargão científico? Há quem diga que um fato científico surge de algum desfuncionamento: o que não funciona conforme o planejado deve ser reparado. O amor se torna um fato científico quando se revela uma esfera problemática para os animais humanos; o trabalho, idem. O mesmo para a saúde, a educação, o lazer. Metemos o nosso nariz científico em como as pessoas jogam futebol, como elas fazem sexo, como elas dormem, como elas comem, como elas lidam com as perdas, com seus medos, com esquisitices….enfim, tudo.

4. Mas não é só o Lattes que anima a transformação compulsiva-obsessiva de tudo em fatos científicos. É a falta de criatividade, a dificuldade de um pensamento autônomo, em suma, falta da capacidade de ser adulto, de debater as coisas entre adultos, e de resolvê-las. Mas, não: é preciso passar pelo crivo científico, pelas normas da APA, da ABNT-2, dos objetivos claros e “focados”; é preciso passar pela crítica de que você não respeitou as regras básicas do método científico. Patético, pois, enquanto isso, o mundo gira em sua órbita indiferente. Pior: o mundo humano parece pouco se importar com o que se produz nas ciências humanas. Tem-se ali forças muito mais poderosas de explicação, enraizadas profundamente em hábitos, cultura, pressupostos. E não adianta, defensivamente, dizermos que “são ingênuos”. Santo Deus – qualquer pessoa, em universidades brasileiras, sente na pele o que, de fato, é ingenuidade.

5. Às vezes, dá vonta de dizer: que cada um viva sua vida e faça dela o que quiser; não precisam DESSA [ambiguo, certo?] ciência para lhes dizer o que fazer.

6. Vamos admitir um possível “fato”: que nós precisamos inventar fatos para moermos, na máquina científica, dissertações e teses. Veja bem: não quero dizer que fazer isso é coisa de não-adulto; há valor nisso, mas é preciso procurar com lupa. Portanto, talvez parecendo autoritário, concordo com decisões de um terceiro (o Estado) sobre quais áreas são ou não “prioritárias” para se investir dinheiro. O investimento deste último está, claro, sujeito a humores políticos, bem como podem induzir pesquisadores a construirem a “indústria da pobreza” ou algo similar só para conseguir recursos públicos, ostentar seu status de “pesquisador do Cnpq”, etc. Mas precisamos de algum critério de valor que nos ajude a decidir, pela esfera pública, o que é desfuncional e merece um escrutínio, sério, científico.

Psicologia e trabalho

Acaba de sair um artigo em que discuto algumas formas de “apropriação” do trabalho pela psicologia. Ou seja, coloco em perspectiva três abordagens ao trabalho: a organizacional, a social e a clínica, problematizando suas semelhanças e diferenças.

O artigo, publicado pela revista Psicologia & Sociedade, pode ser acessado abaixo.

Mal-estar na civilização do trabalho

Tivemos, na manhã de ontem, uma mesa-redonda inspirada pela discussão da obra Mal-estar na Civilização, de S. Freud. A disparadora da discussão foi a psicanalista Ruth Jeunon, em resposta a quem o prof. Jorge Falcão e eu reagimos: no meu caso, explorando o porquê de o trabalho ser visto de modo tão restritivo na obra freudiana em questão:

1. Como poïésis – ou seja, com produção de coisas úteis (muito próximo do sentido de labour, tal como discutido por H. Arendt)

2. Como via de sublimação, porém (e esse é o detalhe), reservado a poucos homens, os Grandes Homens, tais como pessoas das artes ou das ciências.

Nossa provocação foi no sentido de questionar as possibilidades de se ampliar o raio da sublimação a partir de um olhar mais inclusivo sobre o que constitui o trabalho:

1. Como “opus” – ou seja, obra de arte

2. Como “trabalho psíquico”, trabalho sobre si, usando o termo Arbeit da obra freudiana: na medida em que o trabalho nos confronta com o “real” (no caso, com aquilo que nos escapa, com o “indizível que precisa ser, não obstante, dito”), ele nos convoca a desenvolver recursos de enfrentamento.

No final, nossa discussão encaminhou-se para a questão do julgamento de beleza e utilidade implicados no trabalhar, via reconhecimento do outro. O trabalho é, ao mesmo tempo, labour, opus e arbeit – ele liga o sujeito à realidade, aos outros e “devolve”, por meio desse mesmo processo, uma imagem sobre quem somos (identidade).

Uma manhã muito instigante e que nos deixou a todos com desejo de “quero mais”, além de ter deixado importantes questões no ar, como, entre outras, se é possível fazer psicologia do trabalho no “diálogo” com a psicanálise.