Caixa rápido

Hoje eu estava no supermercado e, naquele ímpeto comum de querer sair logo das filas, aderi à de “caixa rápido”. Espera-se que, em tais caixas, realmente o adjetivo funcione, e a coisa realmente opere de maneira eficiente. Mas, no meu caso, aconteceu o inverso. No caixa, provavelmente uma atendende novata. Uma sensação agoniante ver que a fila ao lado desaparece e você fica no lugar. Logicamente, exceto se você estivesse de férias (e ainda assim se poderia duvidar), isso causa certa irritação e ansiedade. Nesse momento, você só olha para si mesmo e para sua situação. Não considera nada mais. Age como um consumidor irritado e, como todo consumidor, com “direito” de reclamar, de espernear.

Agora, um olhar de psicólogo do trabalho, que é o que supostamente sou.

A caixa era, realmente, uma funcionária nova de empresa, apesar de ser de idade mais avançada, comparativamente às outras atendentes. Ainda estava aprendendo o trabalho. Ainda não tinha os “macetes” de funcionários mais velhos, experientes – por exemplo, ainda não devia saber de cabeça o código de certos produtos (as caixas têm de realizar hoje muitas funções, sendo uma delas a de pesar alimentos – hortifrutis, em geral; há, nessas circunstâncias, códigos afixados a um “folheto” que elas têm junto a si). Nessa situação de aprendizagem, a pessoa “briga” com os produtos, com o scaner que lê as etiquetas/códigos de barras, com a operação do cartão de crédito.

Um psicólogo organizacional (e não um do trabalho), poderia dizer que faltou treinamento a essa funcionária, que ela não deveria ter sido “deixada” dessa maneira. Um profissional de administração poderia dizer que isso depõe contra a gestão e, consequentemente, contra a percepção de serviço do estabelecimento.

Mas o episódio me mostrou outra coisa. Ali, diante da caixa em treinamento, podemos nos sentir superiores. Podemos sentir que “temos o direito” de reclamar e de ser logo atendidos, com “eficiência”.

Porém, se formos menos cínicos, vamos lembrar de todas as vezes em que estivemos em situação similar, quando alguém teve de ter paciência para que apresentássemos certo nível de proficiência. Vamos nos lembrar de muitas e muitas situações em que ficamos inseguros, em que titubeamos, em que não sabíamos como agir mais despachadamente.

Mas nos esquecemos que há pessoas melhores do que nós (no sentido de mais habilidosas, mais treinadas, mais capacitadas). Diante do fraco, aproveitamos para descontar nossa falsa consciência de seres dotados de habilidades superiores. No fundo, muitos de nós somos cegos.

Muitas situações da vida cotidiana nos confrontam com a necessidade de simplesmente olhar o outro por aquilo que o outro é ou pela situação em que ele está. Mas parece que estamos perdendo a tolerância. Estamos perdendo uma tolerância que, na situação inversa, em que nós ali estivéssemos, iríamos desejar. A tolerância é a capacidade de sair de si por algum momento e acolher a situação como algo dado, como algo disposto diante de nós e sobre o qual não temos grande poder de interferência.

Ademais, se, em nossa vida, não tivéssemos encontrado pessoas que nos tolerassem, aceitassem nossa “lerdice” (quando crianças, por exemplo, mas, evidentemente, não só!), jamais nos desenvolveríamos. Crescemos porque alguém nos aceita, nos tolera, alguém supostamente em outro estágio de desenvolvimento.

Diante da caixa de supermercado, lembrei de todas as vezes em que me senti paralisado diante de alguma situação em que não conseguia ter certo desempenho. Lembrei-me de todas as pessoas que conheço e que, considerando as características que valorizo, são melhores do que eu e com quem eu aprendo. Coloquei-me em perspectiva.

É isso que de mais e mais somos incapazes de fazer, nos colocar em perspectiva.