América profunda

Assisti ao filme “Inverno da alma”, com a belíssima atuação de Jennifer Lawrence, que faz o papel de uma adolescente de 17 anos que, devido ao abandono do pai (preso por envolvimento com drogas), tem de cuidar de dois irmãos menores e da mãe demente. Para piorar, Ree (a personagem de Lawrence) recebe a notícia de que ela e sua família teriam de deixar a casa em que viviam, pois o pai a havia alienado em garantia de dívida. A partir disto, ela se coloca imediatamente a buscar os rastros do pai, até que descobre uma “verdade submersa” sobre ele, digamos assim.

Trata-se de uma América profunda. Não daquela “high tech”, vendida frequentemente nos filmes vindos dos EEUU. A trama é ambientada em uma região pobre e, muito certamente, esquecida do país. Não há referência temporal nem social, de modo que a única coisa a que temos acesso são pessoas lutando pela sobrevivência (por exemplo, Ree e seus irmãos caçando esquilos para poder comer), incluindo o tráfico de drogas.

Chamou-me a atenção o respeito de Ree e de seus irmãos pelos animais. O filme é repleto deles: cavalos, cachorros, gatos… Em dado momento, Ree ao que parece sonha com a destruição da pouca dezena de árvores já antigas que tinham aos redores de sua casa. No mesmo sonho, esquilos são mostrados fugindo, desorientados com a destruição e queima das árvores. Talvez um “paralelo” com o abandono dela própria.

Outra coisa que chama a atenção é a presença igualmente forte de mulheres. Em diversos momentos, pareciam ser elas as verdadeiras “agências” da ação, ou seja, quem faziam as coisas acontecerem (veja-se que o pai de Ree foge de casa, não consegue “sustentar” o lugar de “pai” e marido). As mulheres ficam.

Não há lugar para riso no filme, apesar de haver uma certa “sensibilidade” implícita, mesmo nos personagens mais violentos. Por fim, fica uma reflexão no ar sobre o que é ser adulto. Só como provocação, adolescentes hoje em dia, aos seus 17 anos, não fazem muito mais do que frequentar shoppings e se achocoalharem nas melodramáticas descobertas amorosas. Lógico que, para tornar-se adulto, não é preciso passar por situações-limites, ou por “queimas de etapa” no ciclo normal (=classe média) do desenvolvimento.

Provavelmente, não precisamos ir muito longe. Aqui mesmo, no grande Brasil, muitas adolescentes devem ser iguais à Ree, construindo alguma base ética em meio a existências materiais bem cinzas.