Ação e inação

Por que não fazemos como o personagem de Melville, o escrivão Bartleby, simplesmente dizendo “prefiro não fazer” aos pedidos dos outros? Por que simplesmente não interrompemos a ação, nosso agir? Ou, inversamente, o que nos leva a querer fazer coisas, a simplesmente querer sair da cama pela manhã? A sobrevivência, a “busca por sentido”, a vontade? O medo das consequencias do não-fazer? O desejo?

Ah, o desejo. A busca por preencher, ilusoriamente, o que falta. O trabalho de cultura, como diria Freud: o trabalho de Eros, de ligação, de enactment. Algo particularmente humano, entre tantas características já catalogadas, é o fato de estarmos na origem de algo, o fato de sermos o agente cuja ausência mostraria a restrição da matéria: sem o homem, rios correriam às cegas, seguindo combinações perfeitas de forças naturais; sem o homem, pedras seriam apenas pedras, e não prédios, pontes, objetos de arte. Sem nossa ação, a eterna repetição do mesmo.

Ainda assim, me pergunto: mas qual a “essência” da ação (desculpe ser platônico). Bom, a ação pode ter sua essência fora do homem (embora ainda dentro da cultura). Por exemplo, na tradição, no hábito, no costume. Pode estar nalgum imperativo categórico, nalguma ética transcendente ou universal à qual nos sujeitamos para haver o espaço da convivialidade (o certo, o errado)… A ação pode estar “dentro” do sujeito, em sua vontade, na sua disposição, personalidade, “desejo de potência”… A origem da ação pode ser instintiva, baseada em necessidade. Pode também ser religiosa – Deus seria contra a acédia, a apatia, a inação.

A ação pode estar ligada a um ideal. Ajo inspirado e orientado por esse ideal. A “perda de ideais” seria um caminho para o niilismo de tipo nefasto. Posso também agir como um “sujeito coletivo”: a ação política, esse tipo de agir profundamente humano, pelo qual se compartilha o destino comum, o fato de se viver junto de outros. Uma ação política teleológica, utópica.

A lista seria extensa. A lista do porquê agimos, do porque nos embrenhamos nesse trabalho de cultura pelo qual nos humanizamos (e pelo qual sobrevivemos – um “trabalho de natureza”, por assim dizer).

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Agir implica em um trabalho de tornar-se adulto: agir, em vez de esperar que o outro aja por mim, ou então para que eu mesmo não me torne um objeto da ação do outro, passivamente. No primeiro caso, há certo desejo de fusão com o outro, protetor, provedor. A criança só começa a “sacar” que tem de correr atrás do próprio alimento quando a mãe não corresponde mais a um tipo de amor fusionado, de nutrição irrestrita.

Inação implica, também, num bloqueio da capacidade inventiva do sujeito, pela qual, criativamente, ele reinventa novos objetos para sua experiência. Quando inativo, o sujeito se torna um objeto junto a outros objetos. Pois um objeto é, precisamente, aquilo cuja ação não parte espontaneamente de si. O inativo vê tais objetos como “entidades dadas”, dispostas no mundo, e não como instrumentos maleáveis, pivôs da externalização de si em novos “possíveis”.