Abundância e escassez

Freud dizia que a natureza não distribui igualmente entre os homens a capacidade de sublimar o sofrimento provocado pelo fato de vivermos civilizadamente. Contudo, ao que parece, a capacidade de sofrer é democraticamente farta para toda criatura viva neste mundo.

De minha parte, acho que a “zona de sombra” é a pior de todas as experiências cotidianas que podemos ter. Explico. Tal zona é aquela em que, misteriosamente, sentimos que algo está errado, profundamente errado, mas que não sabemos como dar a volta por cima, como, por exemplo, sublimar pelo gênio.

Quando não alcançamos o estágio anterior, de sublimar “dignamente”, caímos numa zona disforme: somos os pessimistas, os anti-sociais, os ingênuos, ou então os críticos e céticos. Nas categorias sociais, ficamos numa espécie de limbo. É como se eu me sentisse genial em matéria de ver que as coisas estão erradas, mas um analfabeto em termos de usar o insumo desse “estão erradas” para produzir algo de valor. Dar a volta por cima, como eu disse.

É como se eu vivesse numa abundância de percepção, sensações, intuições, e numa escassez de “inteligência” para dispor dos dispositivos ou recursos culturais e psicológicos para … dar a volta por cima. Misteriosamente, porém, sinto que se eu tivesse escassez na primeira ponta (percepção sub-liminar ou algo do gênero para o sofrimento, o erro, a “folclorice” do cotidiano), não adiantaria abundância na segunda. Aliás, talvez sequer adiantasse ter a segunda.