A linguagem privada do corpo

Quando o assunto é nosso corpo, sabemos todos nos manifestar. Sabemos, em primeira pessoa, o que nos acontece, o que sentimos, seja em sentido sensorial estrito (uma “pressão” nas costas, por exemplo), como no sentido mais psicofísico (uma sensação de mal-estar, por exemplo). Não há necessidade de teoria para falar de nossos estados corporais. Pelo menos não no sentido formal de teoria – como um conjunto de conceitos compartilhados publicamente e “arquivados” institucionalmente (nas instituições da ciência).

Se quisermos, podemos gastar a maior parte de nossa energia e tempo mentais só em especulações discursivas sobre nosso corpo. E não me refiro aos “corpolatras” de plantão; refiro-me a qualquer pessoa: eu, você que está me lendo. Qualquer um pode gastar longas horas pensando nas sensações enviadas pelo próprio corpo.

Acho que tais sensações compõem uma das mais “privadas” linguagens. Uma das mais “empíricas”. Aliás, a ciência é, como se diz, baseada em dados e fatos empíricos. Os positivistas lógicos, por exemplo, achavam que os componentes mais básicos da linguagem científica eram as sensações. O que digo, em linguagem científica, tem de ter um lastro sensorial (um referente), indubitável, apesar de privado. Sabe-se que isto gerou grande dor de cabeça nos defensores mais “radicais” do positivismo lógico (por exemplo, Neurath, Schlick…).

De todo modo, o que quero dizer é que a linguagem do corpo é, ao mesmo tempo, a mais democrática (em sentido brasileiro do termo) e a mais absurda. Pois pessoas podem nos encher o saco (desculpem-me a expressão) com suas ladainhas de sintomas e sensações. A linguagem do corpo de outra pessoa não me interessa, pois com ela nada posso fazer. Exceto ter empatia, quando muito; ou então simpatia.

Não sei explicar, mas acho que, quanto menos cognitivamente desenvolvida é uma pessoa, mais sua linguagem se torna empírica, fundada (grounded, como dizem o pessoal da área de pesquisa qualitativa) no “fato” corporal (piagetianos, please, poderiam me ajudar?).

Defendo uma “civilização de cérebros”? Nem tanto, mas fato é que, a cada dia que passa, acho mais e mais non-sense (!) essa conversa corporal. Um colega meu, filósofo, dizia que hoje em dia realmente a verdade passa pelo corpo. Olha isto: os empiristas devem estar se remexendo nos seus túmulos ingleses e alemães!