Além (ou aquém) da linguagem

Uma vez eu já tinha pensado sobre isso, mas, agora, esse pensamento ganhou outros contornos. Pensei uma vez que o símbolo, ou o simbolismo, ou a linguagem e tudo o que dela deriva, poderiam ser, em alguma medida, um imenso engodo.

Por algo que me aconteceu hoje, e por algum motivo, voltei a pensar nisso. Só que num turbilhão mental caótico. Voltei a pensar, e, de certo modo, a sentir, que nossas construções linguísticas, embora a essência do que nos definem como humanos, podem ser um imenso, brutal, decisivo, erro, engano.

Eu sei que a linguagem, base de qualquer conhecimento, é o que nos permite agir sobre esse mundo, comportamentalmente. É nossa principal ferramenta de sobrevivência. Mas ela gera, à nossa frente, uma redoma de fantasias, imaginação, perversidade, surrealismo, e mentira.

Não, não estamos seguros no reino da linguagem. Ao mesmo tempo, verdade cruelmente paradoxal, é nossa única morada, nosso único retorno. Haveria pensamento sem linguagem? Haveria pensamento sem linguagem? Não conheço nada de neuropsicologia, mas, no meu conhecimento raso e infantil, o pensamento é mais do que linguagem, e talvez aí resida nossa última esperança.

Pois somos serezinhos que precisamos ir trabalhar para pegar o dinheiro, comer e se proteger. Somos serezinhos que, conforme a quantidade desse dinheiro, vamos escravizando outras pessoas (ou sendo por elas, disfarçadamente, escravizados), e vamos nos chafurdando nessa lama chamada cultura, mundo simbólico, mundo imaginário.

Tudo isso é uma tremenda bobagem. Tudo isso, embora necessário (não temos para onde fugir), é uma escatológica mentira. Não adianta gritar, não adianta ficar esperando Deus emitir algum sinal, não adianta nada disso. Há, apesar de nosso conhecimento científico, um automatismo nas leis que regem esse mundo e os corpos vivos aqui presentes. Essas leis, por mais que os cretinos dos pós-modernistas digam que não, são leis necessárias, leis que eles, na sua pretensa sabedoria de “domadores do discurso”, ignoram, ou, pior, temem – e temem de um jeito que nem eles saberiam dizer.

Diante do grito, diante do grito infantil (que seja!), “Não morra”, não há nada o que fazer. Depois de um certo ponto, não há retorno. Depois de um certo ponto, cessa o simbólico; este deixa de dizer algo, este deixa de existir. Depois de certo ponto, só existe uma coisa: um ser imbecil, dotado de linguagem, tentando, por vezes com conversinha auto-enganatória sofisticada, dar conta do que não é possível dar conta, exceto esquecer.

Nesse sentido, assumo minha parte de culpa: na psicologia, sobretudo na psicologia com pé no simbólico, contribuímos para criar nossos próprios falsos problemas. A vida é simples; ela se reduz a poucas leis – das quais temos imenso conhecimento, é fato, mas nem por isso deixam de ser ‘menos leis’ e menos indiferentes à nossa provisória existência.

Aos românticos, meu abraço – vocês sabem sonhar e se auto-enganar!